O choque de gerações é fruto de uma nova realidade social. Não faz tanto tempo que esse impasse ocorria entre pessoas com décadas de diferença na idade, mas, hoje, bastam alguns anos para que existam comportamento e visões de mundo completamente distintas, e sempre significativas.
Em decorrência disso, as organizações têm vários grupos em seus quadros, formados por gerações diferenciadas. Há um lado extremamente positivo nisso, que é a possibilidade de que essas diferenças enriqueçam a cultura da empresa e liberem a criatividade.
Entretanto, para que isso ocorra, é preciso refletir sobre as consequências desse convívio. Neste artigo, detalharemos o assunto para permitir uma análise aprofundada. Vamos lá?
O quadro atual do choque de gerações
Antes de apontar detalhes sobre o cenário atual do choque de gerações, parece pertinente dividir uma impressão com você: esse choque pode ser mais forte do que podemos notá-lo no momento. Para entender isso, podemos usar “A Pirâmide de Maslow”.
Segundo esse conceito, as necessidades humanas seguem uma hierarquia de base fisiológica, ou seja, priorizamos nossas necessidades básicas de alimentação e saúde. Apenas depois que elas são satisfeitas é que passamos a nos preocupar com segurança; relacionamentos; estima; e, finalmente, com a realização pessoal — exatamente nessa ordem.
Como a realização pessoal é um fator importante para as novas gerações, faz sentido supor que o equilíbrio dos índices de empregabilidade e uma perspectiva econômica mais favorável — fatores importantes para suprir as necessidades básicas da pirâmide — revelem de forma mais evidente o incômodo desse grupo com o ambiente das empresas tradicionais.
Em outras palavras, quando a conquista do primeiro emprego é uma prioridade, o incômodo com o design pouco inspirador do escritório pode ser um problema menor, algo marcante no momento atual do nosso país. De outro lado, segundo pesquisa da Mindspace divulgada pela All Work, 21% dos millennials, nascidos entre 1981 e 1986, admitem rejeitar um trabalho devido à aparência e o formato do local da empresa.
A mesma pesquisa também revelou outros dois pontos que se unem em relevância a esse primeiro. Nas palavras da editora sênior da AllWork, Jo Meunier, são estas:
- “quase metade dos millennials do Reino Unido considera que o coworking é uma forma favorável de se relacionar com os outros”;
- “quase um em cada três (31%) dos trabalhadores do Reino Unido descobre que seu atual ambiente de trabalho é pouco inspirador e chato”.
Desse estudo, podemos concluir que o design é um ponto crítico para atrair e manter os novos talentos em ingresso no mercado de trabalho. Como 26% deles também valorizam o pacote de benefícios oferecido, algo natural de se esperar, esses parecem os principais pontos a serem considerados em um primeiro momento.
Além disso, é preciso perceber que essas demandas não estão limitadas às expectativas convencionais, muito menos devem ser encaradas como futilidades. Em relação ao design, os millennials esperam poder contar com espaços colaborativos e, em relação aos benefícios, não se preocupam apenas com os seus efeitos diretos, mas externam a expectativa com uma política de valorização e participação.
Essa visão se choca ainda mais pelo fato de que as gerações mais antigas estão trabalhando durante mais tempo. Na atualidade, um profissional pode perfeitamente trabalhar após os 70 anos. Em razão disso, é possível que uma empresa tenha em seu quadro membros das seguintes gerações:
- geração Z: os nascidos a partir de 1997 — com 21 anos ou menos em 2018;
- millennials: os nascidos entre 1981 e 1996 — entre 22 e 37 anos;
- geração X: nascidos entre 1965 e 1980 — 38 e 53 anos;
- baby boomers: entre 1946 e 1964 — idade entre 54 e 72 anos;
- a geração “silenciosa”: entre 1928 e 1945 — idade entre 73 e 90 anos.
Outro estudo sobre o tema identificou de forma mais detalhada a realidade das diferenças dessas gerações e sobre os espaços de trabalho do futuro. Abaixo estão algumas notas relevantes relatadas na pesquisa:
Escolha
“O escritório servirá como cenário para uma série de atividades sociais e experiências de trabalho colaborativo, proporcionando espaços que os funcionários possam escolher com base em suas necessidades imediatas”.
Experiência
“O espaço de trabalho evoluirá de sua função estritamente funcional (fornecendo suporte para processos de trabalho individuais e de grupo), e se tronará parte de um sistema holístico que cria uma nova experiência de trabalho — abrangendo os componentes sociais e emocionais.”
Trabalho Integrado
“Os espaços mais eficazes suportarão a transição perfeita de pessoas que se deslocam entre os modos de trabalho individual e de grupo, tanto entre locais como dentro de seus espaços de trabalho principais.”
Os impactos do choque de gerações
Cada um desses grupos valoriza um conjunto único de ideais, o que pode contrastar ou complementar aquele pertencente a colegas de trabalho de outros deles.
Por exemplo, uma pesquisa da Mindspace descobriu que 34% da Geração Z estaria disposta a gastar até uma hora para se dirigir a um local de trabalho que considere perfeito, contra 22% dos membros da geração X.
Do mesmo modo, os baby boomers tendem a ser mais contidos nos gastos, enquanto as gerações mais novas assumem um comportamento mais ousado. Com um ambiente de convívio favorável, essa diferença é um ótimo exemplo de disparidade que pode gerar equilíbrio, mas quando não é o caso, o conflito é inevitável — especialmente se o baby boomer trabalhar no financeiro e o millennial, por exemplo, no comercial.
Atraso na inovação e na Transformação Digital
Para compreender o impacto do conflito entre gerações na inovação e na Transformação Digital, considere que as mesmas diferenças que ocorrem no ambiente de trabalho, se manifestam no mercado.
As novas gerações têm expectativas de consumo diferentes e se relacionam com as marcas de forma peculiar. Elas procuram identidade de propósito e valorizam o espírito de realização. Desse ponto de vista, o produto ou serviço que as organizações entregam é um requisito, pois o diferencial está na autenticidade e na legitimidade com as quais as empresas expressam e agem para contribuir na solução dos problemas enfrentados pela sociedade.
Há um forte componente humano nessa relação. Isso significa que o processo de humanização das novas tecnologias vai além de coisas como um chatbot capaz de manifestar bom humor. Ele implica em consciência social, envolve aceitação de diferenças e respeito às demandas de minorias.
A partir dessa constatação, é lógico deduzir que o conflito entre gerações dificulta o desenvolvimento de modelos de negócio capazes de atender a expectativas das novas gerações, especialmente da geração Z — mais sensível a esses aspectos.
Não bastasse esse fator, as gerações recentes nasceram interagindo no ambiente digital. Elas não se incomodam em expor sua vida pessoal, são engajadas e não têm nenhum receio de fazer compras online, por exemplo — muito pelo contrário.
Essa ambientação natural com o mundo digitalizado faz com que elas não tolerem processos complexos e entregas demoradas. As respostas sempre estiveram disponíveis em poucos cliques para essas pessoas.
Do outro lado, os primeiros baby boomers ainda viveram uma época na qual solicitavam uma ligação interurbana pela manhã e ela era completada no período da tarde. A geração X usava orelhão e suas fichas telefônicas, compraram os primeiros celulares na “versão tijolo” e pagavam para receber ligações neles.
Esse outro aspecto evidencia a importância de eliminar os conflitos geracionais como forma de viabilizar a contribuição das novas gerações para a inovação e para a Transformação Digital. Eles chegam com novidades, trabalham de forma colaborativa e não concebem a possibilidade de conviver com entraves à inovação.
De outro lado, os conflitos podem gerar disputas internas nocivas ao processo. E resolver essa questão não depende apenas de liberar espaço para as gerações mais inovadoras e ambientadas no mundo digital. Elas também precisam contar com a experiência e a prudência das gerações mais antigas — desde que elas estejam dispostas a aceitar o risco da mudança.
Como sempre, o equilíbrio é a chave para o sucesso de um empreendimento na gestão de divergências. A Transformação Digital não tolera conflitos. Especialmente, porque ela ocorre em um ambiente com alto grau de interação e diversidade e, ainda que existam bolhas ideológicas que criam certo isolamento nas redes sociais, ele não pode existir no ambiente de trabalho. A gestão da inovação é, essencialmente, feita de processos colaborativos.
O novo ambiente das organizações
Como vimos até aqui, o design do espaço de trabalho é um dos pontos críticos para as novas gerações. De fato, um local mal projetado pode ter efeito negativo na produtividade e na saúde mental dos colaboradores.
Mas esse não é o único fator de influência nesses aspectos. Por isso, o ambiente organizacional também depende do estilo e da competência das lideranças, além de algumas questões, como evitar longos deslocamentos injustificados.
Não há necessidade de, por exemplo, um programador envolvido em um projeto de desenvolvimento se deslocar de sua residência para escrever linhas de código, se o planejamento já forneceu as diretrizes que ele precisa – ao menos do ponto de vista de um membro das novas gerações.
De acordo com uma pesquisa da Thrive Global, a Geração Z já está preocupada e estressada sobre sua saúde e bem-estar. E, de acordo com a Gallup, 57% dos Millennials diz que o equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar no trabalho é “muito importante” para elas. Além disso, conforme a Organic Trade Association, 52% dos consumidores de produtos orgânicos são Millennials.
Millennials e a geração Z têm um forte interesse no bem-estar pessoal e não estão sozinhos nessa expectativa. Embora possam ser mais propensos e interessados nesse aspecto, isso não significa que eles são as únicas gerações que desejam um ambiente de trabalho seguro e saudável.
Se você perguntar a um funcionário de qualquer geração se ele prefere trabalhar em um ambiente com benefícios de promoção da saúde, a resposta mais do que provável será sim. As leis de segurança ocupacional já exigem a adoção de práticas que diminuam as taxas de lesões e mortes no trabalho faz algumas décadas, mas essa preocupação necessita de uma nova abordagem.
No lugar de se concentrar em riscos, como escorregões, tropeções e prevenção de lesões é preciso considerar que muitos dos trabalhadores de hoje estão menos sujeitos ao risco laboral. Eles passam o dia em uma mesa e têm necessidades de segurança, saúde e bem-estar diferentes do trabalhador industrial do passado, que exercia atividades mais manuais e perigosas.
Por tudo isso, o cuidado com o bem-estar, de um ponto de vista moderno, envolve as dimensões relativas ao físico, ao social e ao intelectual. Essa abordagem não apenas promoverá um ambiente de trabalho que suporte pilares fundamentais de bem-estar, mas é uma maneira de atender às diferentes necessidades das várias gerações de colaboradores.
Embora essa possa parecer uma grande tarefa, como já deve estar evidente a partir das considerações anteriores, as mudanças mais importantes dependem da integração dos novos conceitos a uma cultura que tenha impacto positivo no clima organizacional. Vejamos então em que consistem as medidas para viabilizar um formato adequado.
O novo design do escritório
Um bom arquiteto entrevista a família para a qual projeta uma residência. É com base nos hábitos de vida e nas necessidades dos moradores que os espaços são concebidos. Nesse sentido, ele não elabora paredes, disposição dos móveis e outros detalhes da edificação. Antes disso, ele concebe o que os moradores desejam viver, para, com base nisso, desenvolver o projeto arquitetônico.
Um ambiente de trabalho funciona do mesmo modo. A diferença é que, no lugar de elaborar um espaço adequado para receber visitas em uma família de perfil mais gregário, por exemplo, os espaços empresariais precisam se adequar a forma como as pessoas trabalham e convivem profissionalmente.
No que se refere ao convívio entre gerações, temos as mais jovens, que procuram mais liberdade e variedade em seu espaço de trabalho, enquanto os baby boomers podem se sentir mais confortáveis com a familiaridade e rotina. Isso já é evidente na evolução do design de escritórios.
Nos últimos anos, o layout desses espaços consistia principalmente em escritórios privativos, grandes mesas e, em muitos casos, imponência. Depois veio a onda de cubículos com iluminação natural, mas reservados aos executivos. Atualmente, a tendência é a de projetos de escritórios abertos, espaços de trabalho colaborativos e com as lideranças no centro do ambiente.
A colaboração é o ponto chave e os ambientes têm o seu favorecimento como um objetivo central. Embora as áreas abertas e espaços de trabalho compartilhados tenham apelo chamativo, essa é uma tendência que favorece um estilo de trabalho em detrimento de outro.
Por isso, para muitos trabalhadores, o escritório de conceito mais aberto funciona como uma distração que prejudica a produtividade. Para projetar um local de trabalho multigeracional, ele precisa ter uma combinação de espaços que favoreçam a interação e outros mais privados, colaborativos, locais de entretenimento momentâneos e algumas salas de reunião.
Esse tipo de abordagem combinada atenderá às necessidades de alguns trabalhadores de ter paz e tranquilidade, enquanto outros podem optar pela variedade e uma dinâmica mais agitada. Note que, necessariamente, essa combinação não favorece o convívio apenas de gerações diferentes, pois em todas elas podem existir indivíduos desejosos de um formato ou outro em algum momento de sua rotina de trabalho.
Além da variedade, é preciso mesclar bem-estar com produtividade. A força de trabalho da geração Z está sintonizada com os elementos físicos de seu ambiente e como eles podem aumentar a produtividade.
Ao projetar seu espaço, pense na qualidade do ar e da água e no acesso a alimentos saudáveis e iluminação natural. Integrar fitness e conforto, dando aos funcionários a capacidade de se sentar ou ficar em pé, além de espaços para descontrair, também é fundamental.
Não apenas para atrair as gerações mais novas, mas também para favorecer a criatividade. Poucas atividades ajudam a pensar em novas soluções como a de desviar nossa atenção do problema, logo depois de conhecê-lo em seus detalhes.
Além disso, é preciso reavaliar as necessidades de negócios para expor novos aspectos de atenção, como as questões de saúde que os trabalhadores enfrentam quando lidam com ergonomia ruim e muito tempo sentado.
Embora, em alguns casos, as gerações mais antigas tenham sido resistentes em participar de programas de bem-estar, segundo pesquisa elas são as primeiras a adotar medidas que favoreçam a ergonomia, seja por meio de programas-piloto em seus locais de trabalho ou para ajudar com seus próprios problemas de saúde.
Para as gerações mais jovens, elas favorecem uma atitude proativa de preocupação com uma vida de trabalho mais saudável no longo prazo. Por isso, o design não deve ser visto apenas como uma estratégia para recrutar talentos da nova geração.
Ele também deve ser avaliado regularmente para garantir que ofereça suporte ao bem-estar, ao engajamento e à produtividade. Além disso, o design funcional que sustenta o bem-estar dos colaboradores não precisa ser complicado. Inegavelmente, também deve ser considerado uma responsabilidade da organização em cuidar deles.
O trabalho produtivo e de qualidade é favorecido quando os funcionários estão felizes, satisfeitos. Atualmente, profissionais de todas as áreas, idades, perfis e hierarquias buscam empresas que ofereçam uma ampla gama de experiências e uma abordagem holística quando se trata de seu bem-estar.
Gerações variadas convivendo harmonicamente no ambiente de trabalho é algo extremamente positivo. O desafio está em alinhar as diversas necessidades as condições ideais de trabalho. Preencher as lacunas entre as expectativas de cada geração é fundamental para produzir um ambiente de trabalho saudável, produtivo e competitivo.
Mais do que isso, é preciso garantir que eles se sustentem ao longo dos anos — o que também envolve mudanças constantes para se ajustar ao momento. Essa última particularidade ainda gera necessidade de flexibilidade e mobilidade dos espaços colaborativos.
Esses objetivos são possíveis a partir do cultivo de um ambiente saudável, dinâmico, diverso e produtivo. E qual geração se oporia a isso?
A liderança promotora da Transformação Digital
Contudo, o espaço não é responsável sozinho pela superação do choque entre gerações. A cultura organizacional precisa se adequar a essa nova realidade, ou o ambiente ideal não fará sentido.
As novas gerações amam o feedback imediato, têm uma nova visão sobre o que é o sucesso, se preocupam com sustentabilidade, usam a internet para buscar trabalho, valorizam a interação e odeiam gestões altamente centralizadas.
Do outro lado, as gerações mais antigas preferem evitar a exposição de suas fraquezas e são mais resistentes em relação aos feedbacks, muitos de seus membros consideram que a experiência deles é suficiente para que superem sozinhos as suas limitações.
Da mesma forma que o ambiente, o líder precisa saber se adequar e se dedicar em atender demandas diversas e, muitas vezes, que se opõem umas as outras. Ao mesmo tempo em que exercita essa flexibilidade, ele precisa ser capaz de direcionar a equipe e de apontar comportamentos e ações conflitantes.
O rico e criativo futuro das empresas multigeracionais
Embora essa realidade possa parecer complexa e difícil de ser trabalhada, a perspectiva de futuro é animadora. Não aprendemos com nossos iguais, mas sim com quem é diferente. Pessoas iguais confirmam o pensamento uma da outra e, sem contato com visões diferentes, elas se mantêm em uma bolha que favorece erros desnecessários.
É coerente imaginar que o futuro nos reserve perspectivas de um modelo especial, rico e criativo. Logo, a realidade virtual será uma constante nas reuniões entre colaboradores distantes — sensores de IoT poderão monitorar o nível de estresse dos colaboradores e identificar as situações que as geram, por exemplo.
Desse aspecto, podemos concluir nosso texto com uma abordagem mais estimulante. É improvável que esse tipo de ganho gere descontentamento em algumas das gerações, pois é fascinante imaginar uma realidade tal qual acabamos de descrever.
Porém, para viabilizá-la, o choque de gerações precisa ser adequadamente gerenciado. Ele não vai acabar. Ao contrário, seria preocupante se acabasse. A forma como as pessoas lidam com ele é que é determinante.
Precisamos todos desenvolver a empatia para além da tolerância. Mais do que isso, devemos aceitar as diferenças e reconhecer seus aspectos positivos para a criatividade, a produtividade e a inovação.
Preparado para unir gerações?