Já virou piada pronta no meio jurídico: o Direito é sempre um dos últimos a conseguir absorver as novidades da tecnologia! Normalmente, os advogados estão entre os profissionais mais tecnofóbicos, a legislação está atrasada em relação aos avanços tecnológicos e os juízes podem se prender a conceitos antigos em vez de buscarem atualizações. Nesse contexto, apesar de crescimentos significativos, o emprego da Inteligência Artificial no Direito ainda segue atrás de muitas outras áreas.
Isso não significa que não se tem registrado evoluções consideráveis. Pelo contrário: algumas lawtechs e até mesmo empresas gigantes vêm desenvolvendo vários robôs para o mundo jurídico. Então, se você quer sair na frente dos seus concorrentes, este é o momento de renovação:
Quais são os números do cenário nacional?
Em um levantamento de 2016, o Brasil tinha cerca de 79,7 milhões de processos em andamento na justiça. Desse gigante volume, apenas 27% estava sendo julgado ao mesmo tempo em que uma quantidade muito mais elevada ainda continua entrando na Justiça. Isso gera custos de mais de 84,8 bilhões de reais ligados ao setor judiciário, tornando insuficientes os 18 mil magistrados atuais. Afinal, temos um dos maiores volumes de processos do mundo, que chega a um para cada dois brasileiros.
Dessa forma, é fácil perceber que será impossível resolver o problema da justiça brasileira sem a inovação. Além disso, estamos em um país em que o acesso à justiça é difícil, caro e moroso. Neste contexto, surgem as chamadas legaltechs — startups de tecnologia voltadas para soluções no mercado do Direito. Elas prometem desde soluções empresariais, como gestão de processos e documentos, até robôs complexos, capazes de substituir o trabalho de um advogado em causas menos complexas.
Nos escritórios de advocacia, principalmente americanos, os robôs já estão sendo empregados para realizar pesquisas jurídicas em banco de dados virtuais. Afinal, eles têm uma capacidade de processamento de milhões de documentos por minuto, o que é impossível para o ser humano. Como se não bastasse, podem lembrar das equipes dos prazos dos processos e realizar levantamentos de produtividade.
O setor público, por outro lado, ainda não tem utilizado a tecnologia, o que é uma pena. Provavelmente, os robôs poderão acelerar razoavelmente a Justiça Brasileira. Como? Alguns deles são capazes de interpretar documentos inteiros e assim selecionar para os juízes as causas de menor complexidade e que podem ser decididas rapidamente.
Além disso, podem lembrar ao gabinete dos juízes quais são os processos que já estão prontos para a sentença. Frequentemente, situações prontas para a definição são esquecidas em meio a pilhas de papéis. Isso prejudica bastante a qualidade do serviço prestado ao jurisdicionado.
Como a tecnologia está impactando o setor?
É praticamente um consenso que a IA vai balançar de modo significativo o mercado legal nos próximos anos. Ela terá um impacto enorme na disponibilidade de empregos no setor jurídico, nos modelos de negócios de muitos escritórios de advocacia e em como os advogados lançam mão da tecnologia para alavancar a carreira.
De acordo com a Deloitte, nos EUA, cerca de 100 mil empregos no setor legal provavelmente serão automatizados nos próximos vinte anos, o que representa cerca de 39% dos vínculos profissionais no mercado jurídico. O McKinsey Global Institute estima que quase 1/4 do trabalho de um advogado pode ser automatizado. Algumas estimativas sugerem que a adoção de toda a tecnologia legal (incluindo a AI) já disponível reduziria as horas dos advogados em 13%.
As empresas que não tiram proveito das eficiências baseadas em inteligência artificial podem competir com as que o fazem em uma concorrência quase desleal. Assim, advogados que entendem de tecnologia e se informam sobre os últimos desenvolvimentos da legaltech agregam valor às suas companhias.
Em quais tarefas é possível aplicá-la?
Revisão de documentos
A revisão de documentos para litígios envolve tarefas de procura por certificados relevantes – por exemplo, documentos contendo palavras-chave específicas ou e-mails da ”Sra. X até o Sr. Y em relação ao tópico Z durante março de 2016”. A definição de parâmetros de pesquisa para revisão de registros usando IA melhora a velocidade, a precisão e eficiência da análise das documentações.
Uma demonstração válida: quando os advogados usam software com IA para revisão de documentos, sinalizam alguns deles como relevantes, e a IA aprende que tipo de atestado precisa procurando. Por isso, pode identificar com maior precisão outros papéis primordiais. Isso é chamado de “codificação preditiva”. A codificação preditiva oferece muitas vantagens em relação à revisão manual de documentos antiga. Entre outras coisas, ela:
- aproveita pequenas amostras para encontrar documentos semelhantes;
- reduz o volume de certificados irrelevantes que os advogados devem percorrer;
- produz resultados que podem ser validados estatisticamente;
- é, pelo menos, modestamente mais precisa do que a revisão humana;
- oferece muito mais rapidez do que a revisão humana.
Análise de contratos
Os clientes precisam observar contratos em massa e individualmente. Por exemplo, a análise de todos os documentos assinados por uma empresa pode identificar riscos, anomalias, futuras obrigações financeiras, datas de renovação e expiração etc. Para corporações com centenas ou milhares de contratos, isso pode ser lento, caro, trabalhoso e bastante propenso a erros. Vamos confessar: nenhum advogado gosta de elaborar avaliações de contratos em massa, então a IA chega para ajudar em uma tarefa que poucos profissionais gostam de desempenhar.
No dia a dia, os advogados revisam os contratos, fazem comentários, redigem e aconselham os clientes sobre a possibilidade de assiná-los como estão ou tentar negociar melhores condições. Esses contratos podem variar de simples (por exemplo, NDAs) a complexos. Um acúmulo deles para revisão cria um gargalo que atrasa os negócios e as respectivas receitas associadas. Os advogados, especialmente os inexperientes, devem abrir o olho para não perder questões importantes que podem voltar a afetar seus clientes mais tarde.
Previsão de resultados
Os advogados são frequentemente requisitados por seus clientes para prever o futuro: ”se eu apresentar este caso, qual a probabilidade de eu vencer – e quanto me custará?” Devo resolver essa situação (ou por meio de uma súplica), ou me arriscar no julgamento? Advogados mais experientes geralmente são melhores em fazer previsões precisas, pois têm mais anos de vivência para avaliar e definir a opção adequada.
No entanto, nenhum profissional dessa área conta com conhecimento completo de todos os dados relevantes. Como a IA é capaz de acessar mais informações, pode ser melhor do que os advogados para prever os resultados de disputas legais e, assim, ajudar os clientes a tomar decisões.
Por exemplo, um escritório de advocacia de Londres usou dados sobre os resultados de 600 casos em 12 meses para criar um modelo para a viabilidade de casos de danos pessoais. De fato, treinado em 200 anos de registros da Suprema Corte americana, uma IA já é melhor do que muitos especialistas humanos em antecipar decisões.
Quais são as tecnologias disponíveis atualmente?
Por ser uma área ainda muito nova, é difícil dizer exatamente o impacto que a Inteligência Artificial está tendo no Direito. Porém, não são poucas as iniciativas que buscam explorar essa novidade. Isso porque o acesso à Justiça, principalmente devido aos custos, pode excluir várias pessoas. Assim, a IA agiria em algumas frentes para reduzir os custos dos processos e dos serviços jurídicos: aumentaria a eficiência de dos escritórios e simplificaria tarefas ao mesmo em que substitui o homem nas causas de menor complexidade.
Um dos exemplos mais disruptivos da Inteligência Artificial no direito é a startup inglesa DoNotPay, que atua em processos de contestação de multas de trânsito gratuitamente, proporcionando uma significativa economia para os clientes. De acordo com a própria empresa, o boot que faz papel de advogado já venceu não menos que 160 contestações de multa, tanto no Reino Unido quanto nos EUA.
Com isso, chega ao Direito uma tendência que surgiu com a Transformação Digital. A conectividade permitida pela Internet força a democratização dos mais diversos serviços, tornando-os menos onerosos para as pessoas. Essa ideia não é muito diferente daquela que fez surgir apps como o Uber e o AirBnB. Por isso, uma postura defensiva dos advogados provavelmente seria vista com maus olhos pela sociedade, que precisaria buscar modos de integrar a tecnologia ao seu cotidiano em vez de buscar eliminá-la.
Isso não será difícil, visto que a robotização de tarefas mais simples aumenta a velocidade de atendimento e também a satisfação do cliente, além de tornar o serviço mais barato. Isso seria especialmente útil, no Brasil, em procedimentos administrativos menos complexos, nos quais a autoridade geralmente não analisa argumentos elaborados, mas somente os fatos e os direitos, como é justamente o caso das contestações de multa de trânsito.
ROSS, da IBM
A IBM — International Business Machines — despontou no mercado como uma das líderes do desenvolvimento de máquinas de Inteligência Artificial. Seu principal robô, o Watson, é a mais bem desenvolvida tecnologia de computação cognitiva atualmente no mercado, conseguindo simular o comportamento humano de maneira virtual em diversas situações.
Como um subproduto do Watson, a IBM desenvolveu um robô-advogado, chamado de ROSS. Ele possui uma incrível capacidade de processamento de aproximadamente 500 gigabytes por segundo. Isso o torna uma ferramenta de pesquisa inigualável quando se trata de documentos jurídicos, visto que os bancos de dados dessa área são bastante volumosos. Com o Ross, foi possível reduzir em até 30% o tempo dedicado à pesquisa.
Além disso, sua capacidade cognitiva é suficiente para entender o significado de leis e decisões judiciais, mas não se assuste: isso jamais será suficiente para substituir a argumentação poderosa de um advogado. O que esse robô está proporcionando para você é uma maior capacidade de selecionar jurisprudências e leis que possam favorecer o seu caso. Dessa forma, você não precisa mais ler várias decisões judiciais para descobrir quais estão conectadas com seus processos.
Linte
A Linte tem como principal função aumentar a eficiência dos processos burocráticos dos escritórios corporativos e departamentos jurídicos de grandes empresas. As suas ferramentas incluem a automação de diversas tarefas repetitivas, como criação e gestão de documentos, gestão do ciclo de vida dos processos, acompanhamento de andamento processual e elaboração de contratos. Além disso, é possível ter acesso a indicadores de desempenho dos usuários, como produtividade.
Luminance
A Universidade de Cambridge, na Inglaterra, também entrou na concorrência para a criação de uma plataforma de inteligência artificial no ramo legal. Utilizando uma ferramenta de machine learning, o Luminance é capaz de aprender tarefas de diligência de processos virtuais, gerenciamento de ações de compliance, gestão de seguros e de contratos. Como se não bastasse, o Luminance processa a linguagem natural humana rapidamente, podendo converter uma quantidade enorme de informações em gráficos e infográficos.
Intelivix
Outra startup de sucesso com o uso de IA para a área jurídica é a Intelvix, companhia brasileira que atua na área de jurimetria, ou seja, aplicação de métodos qualitativos e quantitativos no Direito. Para isso, seu robô busca processos que já foram publicados nos portais dos tribunais brasileiros para identificar os perfis de cada juiz.
Com isso, você consegue saber qual o possível resultado do julgamento devido aos ideais dele a respeito daquele assunto. Isso consiste em algo bastante interessante para tornar a sua argumentação mais persuasiva para cada juiz de forma personalizada. Não bastasse isso, é possível ainda melhorar a redação das suas petições a partir de fórmulas padronizadas de cada tribunal.
Legal Labs
Já a Legal Labs trabalha com dois robôs virtuais apelidados de Dra. Luiz e Tribi. A primeira é uma plataforma de AI capaz de executar tarefas em escritórios, como acompanhamento de resultados e tramitação de processos online e peticionamento automático utilizando uma ferramenta de machine learning que emprega as melhores tecnologias de linguagem natural. Já o Tribi é um acrônimo de Tributary Intelligence, que visa automatizar as diretrizes de compensação tributária. Ele realiza todos os cálculos previdenciários e tributários.
O que os advogados precisam saber para continuarem relevantes no setor?
Alguns conceitos são essenciais para que você leia sobre o assunto sem se sentir perdido. Confira.
As lawtechs dominarão o mercado no futuro
No item anterior, você deve ter percebido que grande parte das tecnologias foram criadas por startups. Quando estão focadas em serviços jurídicos e legais, as startups ganham um nome próprio — lawtechs. Isso porque elas são muito especializadas em um único setor e lançam tecnologias realmente inovadores, que causam um cenário de disrupção no mercado.
Futuramente, é possível que muitas lawtechs dividam espaço com os grandes escritórios de advocacia na prestação de serviços legais para os cidadãos. Isso porque a Inteligência Artificial vai se tornar, nas próximas décadas, uma ferramenta obrigatório em todo o escritório bem prestigiado. Logo, os fornecedores da tecnologia serão essenciais para aprimorar os robôs, realizar manutenções periódicas etc.
Inteligência Artificial não é o mesmo que automação
A primeira coisa que todo o advogado deve saber é que a automação difere totalmente da Inteligência Artificial. A primeira é representada por software com algoritmos programados para funções repetitivas e específicas. Já a IA é dotada de cognição e capacidade de aprendizado, ou seja, não está presa às funções originais do seu algoritmo e pode se “autoprogramar” para executar novas tarefas.
Os sistemas automatizados já estão presentes em muitos escritórios, organizando processos, realizando cadastro de funcionários, montando agendas e gerindo processos. Porém, não há o que chamamos de “raciocínio de máquina. A IA, por sua vez, pode substituir inteiramente o trabalho de um advogado em alguns casos, sem nenhuma necessidade de atuação humana por trás da máquina.
Vamos a um exemplo mais prático: imagine uma ferramenta de redação de contratos. Se ela for simplesmente automatizada, o máximo que poderá oferecer é o preenchimento automático dos campos a partir de dados presentes em algum banco de dados integrados do escritório. Já uma ferramenta robotizada é capaz de acessar o e-mail da firma e buscar os dados mais relevantes do contrato, redigir as cláusulas sem a ajuda humana e ainda interagir com o cliente em bate-papos virtuais.
A Inteligência Artificial não vai substituir os estagiários de Direito
Se seu escritório somente utiliza o estagiário para realizar diligências simples, como organização de documentos e acompanhamento processual, provavelmente ele será desnecessário. Na maioria das vezes, quando uma firma emprega funcionários somente nessas funções, eles se sentem desmotivados e sabem que não estão aprendendo praticamente nada do que é realmente o Direito.
Todavia, se você se preocupa com a formação e a experiência profissional desse estudante, a IA será mais do que bem-vinda. Isso porque o estagiário não será mais necessário em tarefas que exigem pouco de seu intelecto. Em vez disso, ele pode ser convidado para redigir textos jurídicos mais complexos, aprender a argumentação jurídica com profissionais e, até mesmo, saber como utilizar a Inteligência Artificial para melhorar a produtividade como advogado.
As interfaces da relação advogado-máquina devem ser analisadas com cuidado
Para melhorar a eficiência e entender os reflexos éticos da introdução da IA no Direito, se faz necessário realizar pesquisas científicas a respeito do assunto. Por esse motivo, já estão surgindo grupos, como a Associação Internacional de Inteligência Artificial e Direito, que promove bienalmente um congresso com painéis de todo o mundo. Na USP, já foi criado um think tank, o Lawgorithm, para organizar pesquisas científicas e extensões universitárias a respeito da inteligência artificial, tanto para a criação de ferramentas quanto para propostas de regulamentação.
Os novos advogados, portanto, devem ficar de olho nas produções sobre o assunto para se manterem atualizados e à frente de seus concorrentes. Afinal, que os robôs vão chegar no Direito é um fato incontestável, só basta saber quando. Se você já se mantiver bem capacitado na área desde agora, com certeza se tornará um profissional disputado pelo mercado de trabalho.
A Inteligência Artificial vai substituir os advogados
Juliano Maranhão, em seu estudo sobre a influência da Inteligência Artificial no Direito, elencou 4 pontos importantíssimos que deverão ser observado por acadêmicos, pesquisadores, programadores e advogados nos próximos anos:
- o raciocínio jurídico é complexo, envolvendo não só a subsunção de regras a determinado conflito, mas a construção de soluções normativas, por meio de interpretação e contraposição de argumentos, que envolvem: a) identificação das regras a serem aplicadas; b) o significado dos termos contidos nas regras perante conceitos jurídicos fundamentais; e c) a adequação das soluções indicadas pelas regras em relação a propósitos de políticas públicas e princípios valorativos;
- ferramentas gerais de inteligência artificial serão mais eficientes e adequadas quando forem empregadas no Direito com base em representação de conhecimento, análise e inferências típicas dos juristas;
- os juristas atuarão com mais qualidade e produtividade quando se desvencilharem de tarefas repetitivas e puderem ter acesso rápido e eficiente ao conhecimento específico necessário ao seu labor intelectual;
- a inteligência artificial deve ser estudada de uma perspectiva multidisciplinar, considerando suas condições técnicas, impactos econômicos, sociais e culturais, como pressuposto de qualquer regulação ou interpretação de suas implicações jurídicas.
Esse é o panorama geral do que acontece no mundo das lawtechs e da Inteligência Artificial no Direito. Como toda a área que está sendo influenciada pela Transformação Digital, podemos esperar um futuro bastante disruptivo. Talvez, em muitas dos processos do futuro, não serão mais necessários juízes para analisar casos mais simples. Ou, então, eles só servirão quando houver contestação de uma das partes a respeito de um determinado resultado.
O que podemos saber, com certeza, é que a relação entre um advogado e seu cliente jamais pode ser substituída. Então, não precisa ter medo de perder seu emprego. Pelo contrário, você deve ansiar pela Transformação Digital para reduzir a carga de burocracia que tanto estressa advogados. Assim, você se concentrará principalmente no raciocínio e na argumentação jurídica para vencer os seus casos. Portanto, a Inteligência Artificial no Direito somente o beneficiará!
Quer conhecer melhor quais serão os impactos da tecnologia no seu dia a dia como advogado? Então, confira nosso post Advogado 4.0: quarta revolução industrial impactando a advocacia! Lá, detalhamos quais são as outras tecnologias, além da Inteligência Artificial, que terão um impacto significativo no futuro da sua profissão.