A Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações abriu, em agosto de 2017, uma chamada pública para a elaboração da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, que visa enfim dar início à transformação digital no Brasil como um todo.
É bem verdade que o governo brasileiro está um pouco atrasado quando comparado a outros países. Mas, felizmente, algumas empresas não ficaram esperando o start do governo para iniciarem suas mudanças do analógico para o digital. Selecionamos alguns exemplos de sucesso e vamos apresentá-los a você neste artigo.
A realidade atual da transformação digital no Brasil
Os estágios da transformação digital nas empresas brasileiras neste momento são bem diferentes; enquanto alguns setores apresentam um avanço maior, outros ainda estão engatinhando. Mas, segundo pesquisa realizada pela Capgemini, essa variação pode ser grande dentro de um mesmo setor, como no varejo e nas finanças.
Muitas empresas já estão no segundo estágio, com líderes conscientes da necessidade e das vantagens que a mudança digital traz para o seu negócio, mas que ainda não sabem exatamente como colocar essa visão em prática.
A pesquisa apontou que 46% das empresas de varejo entrevistadas acredita que as tecnologias digitais alterarão radicalmente a sua tradicional maneira de fazer negócios. Porém, apenas 36% tem um planejamento detalhado do caminho a ser percorrido.
Já no mercado financeiro, as instituições estão um pouco mais avançadas. Das 33 instituições participantes da pesquisa, 53% delas já tem uma estratégia bem definida de transformação digital e afirma que as mudanças serão drásticas em comparação à forma como atuam neste momento.
Graus diferentes de maturidade
A maior desigualdade dentro de um mesmo setor talvez seja no segmento do varejo. A maioria (60%) utiliza as tecnologias digitais para oferecer uma experiência consistente entre os canais para seus consumidores e/ou as utilizam em suas ações de marketing (45%). Quando o assunto é personalizar a experiência de vendas, o número de empresas que utilizam tecnologia cai para 29%.
Ainda neste mercado, o uso de tecnologia móvel é discreto. Somente 33% das empresas afirma usar mobilidade digital para apoiar as iniciativas de atendimento ao cliente, e 24% dos respondentes diz realizar vendas pelos canais móveis. Esses números sugerem que as marcas ainda não estão maduras para vender por meio do mobile.
Ainda é muito comum encontrar sites de e-commerce que não são responsivos ou que não conversam com os apps mobile, dificultando a integração das vendas e dos estoques.
“Muitas empresas acham que é só lançar um app e está resolvido. Esquecem de cuidar da integração sistêmica, de gerenciar corretamente o back-office e seus estoques nos pontos de retirada da mercadoria quando o cliente compra online mas prefere ir pegar o produto na loja. Cuidam do mobile e descuidam do canal físico.”, explica Willian Valiante, diretor de Bens de Consumo e Varejo da Capgemini no Brasil.
Transformação digital X mentalidade digital
Toda essa discrepância dentro de um mesmo segmento pode ser explicada pela falta de mentalidade digital. As empresas até enxergam a necessidade da transformação digital, sabem que se não a acompanharem podem deixar de existir, mas muitas não têm a mentalidade adequada para fazer a mudança acontecer.
Embora a mentalidade digital pareça simples, sua compreensão é complexa, uma vez que é necessário combinar pessoas e tecnologia e isso não é uma tarefa fácil, muito menos superficial. As empresas que desejam usar a tecnologia para gerar maiores resultados de negócio precisam primeiro conciliar as pessoas, os objetivos do negócio e o propósito e, só então, inserir a tecnologia.
O relatório da Capgemini apontou que o compartilhamento de um entendimento comum em toda a organização, aliado ao compromisso da alta gestão, tem se tornado um desafio, mesmo para as empresas que têm o conceito de transformação digital bem definido.
Em vez de serem impulsionadores para a transformação digital, o envolvimento e a comunicação dos colaboradores são vistos como fatores limitantes em várias empresas.
Ser digital envolve conectividade, agilidade, interação, emoção, intuição, uso de dados, mobilidade, relevância e oportunidade. O desafio é maior do que apenas ter a tecnologia correta: é levar a informação certa para a pessoa certa.
Só mesmo com uma mentalidade comum entre todos os setores da organização é possível chegar a um resultado satisfatório.
Já falamos em outro texto sobre algumas metodologias de transformação digital para acelerar as mudanças em sua empresa e entendemos que é preciso que planejamento e execução sejam coerentes com o discurso. Liderança, cultura e comunicação devem estar alinhados de acordo com a nova mentalidade digital da empresa.
Cases de sucesso
Como vimos nos dados acima, existe uma divergência de atitudes em relação à transformação digital entre as empresas brasileiras, inclusive entre empresas de um mesmo segmento de mercado.
Para ajudá-lo a entender como essa mudança pode acontecer na sua empresa, trouxemos alguns cases de sucesso de marcas que já estão colhendo os frutos de seus esforços de transformação digital no Brasil.
Magazine Luiza — de varejo tradicional para empresa digital
No varejo de bens duráveis, o Magazine Luiza vem se destacando quando o assunto é transformação e mentalidade digital. A empresa já é considerada um dos melhores exemplos de multicanalidade para atingir a liderança do mercado.
As mudanças do Magazine Luiza começaram quando Eduardo Galanternick, que já havia sido diretor de e-commerce da empresa, foi chamado de volta por Frederico Trajano com o objetivo de recuperar o crescimento e dar início ao seu plano de transformação digital.
O plano de Frederico era audacioso: consistia em deixar de ser uma empresa de varejo tradicional que tinha uma área digital para se tornar um negócio digital com espaços físicos e contato humano.
A estratégia de Galanternick foi reforçar a equipe comercial, mudar processos de venda e investir em marketing digital focado em promoções. Para alcançar seus objetivos, ele desenvolveu um plano baseado em cinco pilares de transformação digital:
- Inclusão digital: trazer os imigrantes digitais para o comércio eletrônico.
- Digitalização das lojas físicas: melhorar a experiência dos clientes com ajuda da tecnologia.
- Multicanalidade: conectar todos os pontos de contato da loja.
- Marketplace: ser uma plataforma que conecta vendedores e compradores.
- Cultura digital: deixar de ser um consumidor de tecnologia para ser um produtor.
Houve um reforço no calendário promocional. Mensalmente eram incluídas ações de impacto que gerassem um tráfego considerável de novos clientes para o site.
A palavra de ordem, a partir de então, passou a ser inovação. O marketing digital passou por mudanças estratégicas, como a mensuração dos resultados, que passou a ser feita por meio de um modelo de atribuição, visualizando o papel de todos os pontos de venda.
Na sequência, passou para uma mensuração orientada a clientes. Por meio de uma plataforma de dados, definem-se os clientes com maior potencial de compra, rentabilidade e relevância. Após isso, esses clientes são procurados por meio de mídia programática, canais de vendas e listagem.
Tudo isso sem deixar de investir no offline, uma vez que a ideia é ser uma empresa com calor humano. Ações como patrocínio a eventos continuaram a ser realizadas para dar exposição à marca.
App e Marketplace
Entre outras inovações, estão:
- lançamento do aplicativo do Magazine Luiza;
- possibilidade de comprar no site e retirar na loja;
- um marketplace que permite que outras lojas vendam por meio do site do Magazine.
Atualmente, mais da metade das visitas no site do Magazine Luiza é realizada por smartphones, que geram mais de 30% das vendas online. E a maior parte desse tráfego vem do aplicativo.
Lojas virtuais
As lojas físicas passaram a ser chamadas de lojas virtuais, que possuem um espaço físico menor, sem estoque ou mostruário, com exceção dos celulares.
O objetivo dessas lojas é proporcionar ao consumidor exploração dos produtos e áreas de experiência. Os vendedores tornaram-se consultores e utilizam recursos multimídia para fazer toda a demonstração dos produtos.
Desenvolvedores de tecnologia
Para a transformação ser completa, o Magazine passou a desenvolver a própria tecnologia e conta atualmente com uma equipe de desenvolvedores e engenheiros de softwares com mais de 200 pessoas.
Os resultados de todas essas mudanças são visíveis. A empresa já está colhendo seus frutos e os números provam que a transformação digital da companhia foi positiva. Em 2015, a empresa fechou o ano com resultados negativos; já no segundo trimestre de 2017, a companhia registrou o maior lucro líquido da sua história. Com um crescimento de quase 600% em comparação com o mesmo período de 2016, o resultado foi de R$72,4 milhões.
A loja digital do McDonald’s
Na corrida para acompanhar a transformação digital e como estratégia para voltar a crescer em relação a seus concorrentes, o McDonald’s lançou, em julho de 2017, a sua primeira loja digital no Brasil.
A loja mais movimentada do McDonald’s no Brasil, localizada no cruzamento da Rua Henrique Schaumann com a Avenida Brasil, em São Paulo, foi a escolhida pela empresa para inaugurar a nova loja conceito da marca.
A nova loja digital conta com máquinas de autoatendimento, totens e tablets nas mesas à disposição dos clientes. Esse novo conceito deve chegar às 904 unidades da marca no Brasil em até dois anos.
Com o pedido digital, ficou mais fácil personalizar o lanche. No totem, localizado em um balcão especial, o cliente faz o pedido, retira ou inclui ingredientes e agiliza o pagamento. Além disso, o cliente aguarda seu pedido com uma senha, e não mais em uma fila.
O ambiente ficou mais espaçoso e confortável para o cliente e também mais tecnológico: estão disponíveis pela loja tablets e mesas interativas com jogos e aplicativos para que os clientes possam se divertir enquanto esperam.
E, por fim, para deixar o serviço mais prático, o drive-thru também ganhou totens na área externa.
Coca-Cola Brasil abre a primeira área de transformação digital da companhia
A Coca-Cola Brasil nomeou, em setembro de 2017, Adriana Knackfuss para liderar a primeira área de transformação digital da empresa no mundo. O objetivo é usar dados obtidos por meio da interação com os consumidores para tomar decisões mais estratégicas.
O consumo de Coca-Cola no Brasil chega a 12 bilhões de litros por ano. Uma pequena parte da receita é proveniente da loja virtual que, inicialmente, atendia apenas clientes da capital paulista.
A loja virtual permite que os clientes comprem produtos exclusivos e personalizados, e uma das funções de Adriana na nova posição foi expandir as vendas pela internet para as demais capitais do Brasil. O intuito final era atender todo o país até o fim de 2017.
O foco, no entanto, vai além de aumentar as vendas. O objetivo principal é conhecer melhor os clientes, saber quem são, entendê-los e, a partir daí, traçar os próximos passos da empresa no país.
O incentivo para a nova área no Brasil veio de James Quincey — CEO global da companhia — que, em uma conferência do Consumer Analyst Group of New York, anunciou a alteração da estratégia da Coca-Cola para se ajustar às mudanças nos hábitos de compra do consumidor.
Adriana começou a área de transformação digital no Brasil liderando uma equipe de oito pessoas, formada por profissionais de marketing, operações e planejamento, mas conta com a ajuda do time de serviço de atendimento ao cliente para levantar informações sobre os consumidores.
Os 4 pilares de transformação digital da Vivo
As receitas dos serviços de telefonia reduziram drasticamente em decorrência das novas tecnologias. Para se recuperar e voltar a crescer, as operadoras necessitam de novos modelos de negócios.
Para dar início aos projetos de transformação digital, a empresa de telefonia Vivo adotou uma metodologia de trabalho baseada no Vale do Silício, chamada Squad ou, em português, esquadrão.
Esse conceito de trabalho consiste em formar pequenas equipes multidisciplinares, com uma média de sete a doze funcionários. Ricardo Sanfelice, vice-presidente de Estratégia Digital da Vivo — área que também foi criada recentemente —, afirma que a meta é fazer com que até 80% dos processos da área sejam desenvolvidos dentro desse novo conceito de trabalho. Como resultado, o desenvolvimento de produtos digitais para os usuários vai ganhar maior produtividade, agilidade e eficiência.
As áreas mais envolvidas com tecnologia e inovação foram as primeiras a testar a nova metodologia, já que se trata de uma mudança de mentalidade e cultura. Desenvolvimento de produtos e TI deram início à nova forma de trabalho.
Nova cultura
A área de Estratégia Digital da Vivo, sob o comando de Sanfelice, agrupa todas as iniciativas digitais da empresa, que antes estavam espalhadas por áreas diferentes. A nova vice-presidência definiu quatros pilares de atuação:
1. Canais digitais
Um dos objetivos é fazer com que cada vez mais usuários se relacionem com a Vivo por meio dos canais digitais, sem recorrer ao call center ou às lojas. Para isso, é necessário entender o comportamento do consumidor e como ele se relaciona com as mídias sociais.
Um dos exemplos nesse segmento é o app Meu Vivo, um aplicativo no qual os usuários podem realizar atividades diversas, como checar a fatura, consultar o consumo de dados, recarregar e até agendar um atendimento em loja física. O app já tem mais de 11 milhões de downloads e cresceu 300% em volume mensal de acessos no período de um ano.
2. Business Intelligence e Big Data
O time de BI e Big Data conta com mais de 120 pessoas para coletar e filtrar os dados dos clientes: formas de acesso, consumo e tempo. A partir desses dados, é possível fazer a análise do tráfego para saber onde e em que momento é necessário reforçar a rede. E, ainda, identifica-se o perfil de consumo do cliente, elemento especial para desenvolver novos serviços digitais e direcionar os canais digitais já existentes.
3. Produtos digitais
Chamados de “serviços de valor agregado”, esses serviços digitais são a parte mais visível da nova estratégia da marca. São mais de 40 milhões de clientes, dos cerca de 80 aplicativos diferentes que oferecem serviços em áreas como saúde, educação, música e segurança. Juntos geraram uma receita de R$1,9 bilhão em 2015 e apresentaram um crescimento de 15% no ano seguinte.
4. Inovação e empreendedorismo
O pilar de inovação e empreendedorismo está subordinado ao setor de marketing e vendas, sob o comando de Christian Gebara, e diz respeito ao Telefônica Open Future, programa de incentivo ao empreendedorismo e inovação do grupo, presente em vários países.
Como resultado, no Brasil, o programa já acelerou mais de 50 startups. Ao menos sete aplicativos desenvolvidos por essas startups já fazem parte do catálogo de apps da Vivo.
Entre os aplicativos bem-sucedidos está a atendente virtual Vivi, que realiza cerca de 500 mil atendimentos por mês, o que representa meio milhão de atendimentos a menos nos call centers.
Outra estratégia da Vivo para dar continuidade ao processo de transformação digital e aumentar sua presença nas redes foi a compra do portal de notícias Terra. A possibilidade de gerar uma interação maior entre as marcas foi um dos principais motivos da compra do site pela Telefônica Vivo.
Nubank, o banco que já nasceu digital
Apesar de as instituições financeiras tradicionais já estarem dando seus primeiros passos para uma transformação digital completa, as falhas de atendimento, burocracia e alta taxas dos bancos abriram espaço para que empresas pequenas, porém inovadoras — as chamadas fintechs — ganhassem espaço no mercado.
É o caso da startup Nubank, fundada em 2013, que oferece um cartão de crédito sem taxa de anuidade, com juros menores que os praticados no mercado e, ainda, permite que usuários controlem as compras pelo smartphone, sem faturas em papel.
A receita da empresa vem das taxas pagas pelos lojistas em cada compra realizada e dos juros pagos pelos usuários que atrasam o pagamento da fatura ou optam por parcelá-la.
Mesmo sendo uma empresa totalmente digital, a Nubank se destaca por oferecer um atendimento de alta qualidade. Quase toda a equipe de atendimento é formada por profissionais com ensino superior, que atendem o cliente com certa informalidade, mas que é qualificada para resolver problemas.
Embora a Nubank não revele seu faturamento, a empresa afirma que já recebeu mais de 2 milhões de solicitações de pessoas interessadas em possuir um cartão.
A startup já é um case de sucesso, principalmente por mostrar que a tecnologia abre portas para aqueles que, mesmo pequenos, têm grandes ideias e boa vontade para resolver os problemas comuns da sociedade.
Prova disso é que, em 2017, a NuBank inovou a passou a oferecer outro serviço digital: a NuConta, uma conta corrente totalmente online, que também segue a promessa e taxas menores e qualidade total no serviço.
O fato de que as fintechs venham se destacando no mercado financeiro obriga as grandes instituições bancárias a se esforçarem para não ficar para trás.
Como você pode ver, os exemplos de empresas que estão se destacando no mercado nacional por implantar mudanças digitais estão presentes em diferentes segmentos. Cada empresa se organiza à sua própria maneira e lança mão de estratégias diferentes. O que todas têm em comum? Visão, planejamento, adaptação da cultura organizacional e mentalidade digital.
Os novos recursos digitais estão mudando rapidamente hábitos comuns como ler notícias, pagar uma conta, ouvir música, chamar um táxi, estudar e se relacionar com outras pessoas. Tanto no mundo dos negócios quanto no comércio ou na indústria, as novas tecnologias têm provocado verdadeiras revoluções.
Se adaptar a essas mudanças não é mais uma questão de escolha, é apenas uma questão de tempo. Ou as empresas acompanham as novidades tecnológicas ou correm o risco de desaparecer.
É possível se reinventar de diversas formas, como o Magazine Luiza, que mudou seu modelo de negócio, ou como o McDonald’s, que trouxe a tecnologia para dentro das lojas.
O comportamento e a forma de pensar e de consumir das pessoas mudaram e, por isso, empresas como a Vivo valorizam tanto os dados gerados pelos usuários de tecnologia para traçarem suas estratégias. E mesmo uma marca tão forte quanto a Coca-Cola precisa se adaptar à nova realidade e se reinventar para não perder mercado e para acompanhar as novas formas de agir dos consumidores.
A transformação digital no Brasil ainda é lenta, mas você aprendeu neste artigo que governo e empresas estão agindo. Com planejamento, estratégias bem definidas e uma mentalidade digital absorvida por todos os setores da organização, é possível deixar de ser uma empresa analógica para se tornar uma empresa digital.
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