Pensar sobre o impacto da transformação digital na sociedade pode nos levar a grandes polêmicas. Alguns sociólogos, antropólogos, filósofos e economistas descrevem cenários inspiradores, enquanto outros percebem uma realidade assustadora.

Antes de entrarmos diretamente no assunto, vale mencionar que formar uma visão sobre o impacto social da transformação digital é fundamental. Isso porque nenhum negócio ou pessoa existe de forma isolada da sociedade.

A transformação do indivíduo

Nos fazemos e construímos em nossa relação com os outros e na forma como consumimos. Somos indivíduos sociais e não eremitas isolados no mundo.

Além disso, afirmamos nossa posição social com base naquilo que possuímos, nos lugares que frequentamos, nos relacionamentos que estabelecemos, no estilo de vida que escolhemos e na confiabilidade das nossas opiniões — nossa reputação.

Desse modo, a evidente mudança na forma como interagimos uns com os outros e com as marcas está transformando o ser humano, que está muito mais exposto à opinião dos outros.

Também dispomos de mais meios para influenciar as pessoas. Em poucos cliques, todos nós podemos contar experiências, falar mal de uma ação publicitária, engajar grandes grupos contra uma política empresarial, denunciar ações, avaliar produtos e opinar sobre os mais variados temas.

Assim, as escolhas de cada um de nós são influenciadas por grupos de pessoas com as quais interagimos. Isso porque confiamos mais quando observamos que, além da nossa, existe aprovação de um maior número de pessoas para nossa escolha, que pode ser um destino de viagem, por exemplo.

Mas essa influência vai muito além.

Exemplos de impacto social

Recentemente foi anunciado o desligamento de William Waack como âncora do Jornal da Globo. Ele havia sido flagrado em um comentário de bastidor que foi interpretado como racista.

O caso envolveu a sociedade como um todo — não apenas o público cativo do programa. O resultado? O jornalista foi desligado. Isso demonstra o quanto todos nós estamos mais expostos, como nossa opinião pode ser propagada e, claro, o poder do julgamento social na tomada de decisão de grandes empresas ou órgãos públicos.

Por isso, a relação mais interativa entre as pessoas e as marcas é um impacto significativo da transformação digital na sociedade. Na atualidade, a reputação dos indivíduos, principalmente figuras públicas como o William, está o tempo todo submetida ao juízo da sociedade.

Ainda podemos ir além e mostrar como a Transformação Digital e as tecnologias trazidas por ela estão se enraizando na sociedade: após a acusação de numerosos abusos sexuais cometidos por Kevin Spacey se tornar uma polêmica mundial, a Netflix, apoiada pelos fãs, cancelou sua participação em uma de suas séries mais aclamadas, House of Cards (a questão aqui vai muito além do dinheiro, mas é importante deixar claro que essa decisão causou um prejuízo de US$ 39 milhões aos cofres da empresa). Logo em seguida, a equipe de pós-produção do novo filme de Ridley Scott, Todo o Dinheiro do Mundo, utilizou sua avançada tecnologia de edição (e muitas horas de dedicação) para remover o ator do filme.

Sim, removeram Kevin Spacey do filme depois de ele ser gravado e editado, e então refizeram suas cenas com o ator Christopher Plummer.

Opinião pública + tecnologia = voz ativa à sociedade.

Podemos também citar o caso de James Franco ser acusado do mesmo crime, abuso sexual, e então ser removido da capa da Vanity Fair Hollywood Issue…

Enfim, a Transformação Digital não empoderou apenas consumidores: ela empoderou a sociedade. E as empresas expostas que corram para administrar suas crises de forma ética.

A segregação ideológica no meio digital

Um fenômeno já muito presente no meio digital é o que chamamos de segregação ideológica. Basicamente, ela ocorre em razão da nossa tendência em nos aproximarmos de pessoas com visões parecidas com as nossas.

Ao mesmo tempo em que as redes dão voz a todos e que cada grupo ideológico pode se manifestar livremente, as pessoas preferem interagir dentro do seu próprio universo. Esse acontecimento é reforçado por algoritmos e análises que buscam segmentar a informação.

Afinal, não é o que as empresas fazem quando determinam seu público e desenvolvem ações voltadas para ele? Não buscam personalizar a experiência de compra e uso para aumentar a satisfação e fidelizar os clientes?

A forma mais básica de conseguir isso é observando os conteúdos que estão sendo mais visualizados. Com base neles, é possível determinar detalhes em comum para distribuir mensagens semelhantes. Esse tipo de ferramental funciona bem.

Ao mesmo tempo em que essa personalização agrada, a sociedade se incomoda com o resultado: a baixa diversidade dos conteúdos — que é o que chamamos de segregação ideológica. Conforme ela vai ficando mais evidente, mais pessoas tendem a se incomodar com ela.

Isso é natural. Em alguma medida, toda tendência gera alguma contratendência, ou seja, uma resposta defensiva e contrária. À medida que essa reação cresça, é esperado que ocorra uma pressão sobre as empresas para que diminuam o nível de personalização.

Consequentemente, a diversidade dentro das empresas será cada vez mais exigida, permitindo que colaboradores de raças, ideologias e comportamentos diferentes possam entender melhor um público igualmente diverso.

Aliás, a pressão do consumidor nas decisões da empresa é um aspecto determinante da nova sociedade. O desafio das empresas é conseguir incorporar essa interferência no processo decisório — uma tendência definitiva para responder ao enorme poder do cliente.

Um exemplo positivo são as Smart CitiesCom o uso da tecnologia, elas permitem envolver o cidadão no planejamento da cidade. Assim, são desenvolvidos sistemas que garantem o livre fluxo de informações buscando encontrar problemas e elaborar soluções para promover o desenvolvimento econômico e de qualidade de vida.

O estresse tecnológico

Décadas atrás muitos previam que, na atualidade, a tecnologia estaria se encarregando de todo o trabalho pesado. Teríamos mais tempo livre e nos envolveríamos apenas com atividades intelectuais.

No entanto, o que vimos ocorrer foi uma grande mudança na dinâmica do nosso cotidiano. Ao mesmo tempo em que cria facilidades, a tecnologia acelera as interações e amplia os canais. Todo o tempo, de qualquer lugar e por variados meios, estamos “ligados”.

Alguns têm dificuldade em se adaptar e outros assumem um comportamento compulsivo, gerando uma carga psicológica que pode criar estresse. Porém, o problema não está limitado a essas pessoas. Isso afeta a todos e outro grande desafio é pensar a experiência de uso considerando esse efeito nas pessoas.

Essa preocupação é justificada pelo seu aspecto social e em razão dos efeitos da ansiedade. Já estamos precisando nos preocupar em escrever mensagens objetivas e curtas, mas há toda uma experiência de design que precisa ser elaborada para diminuir esse estresse.

A “conspiração” para a transformação digital

Ainda é comum que a transformação digital seja considerada exclusivamente como uma questão tecnológica, desconsiderando o grande impacto que as mudanças geram na sociedade.

A grande mudança social que ocorreu é que as pessoas já se envolveram e engajaram com a transformação. É por isso que ela é viável, possível e irreversível. A sociedade está voluntariamente disposta para promover a inovação — ainda que existam grupos mais resistentes.

A todo o contexto que descrevemos somam-se as influências do ambiente governamental no processo. É previsível que ocorram intervenções. Para o bem ou para o mal, a preocupação com o impacto social da transformação digital deve nortear regulamentações e políticas de incentivo.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, apenas na Dinamarca serão alocados mais de US$ 50 bilhões nas iniciativas de transformação digital na próxima década. O impacto econômico e social de um valor tão representativo é igualmente significativo.

Por isso, as decisões pessoais e empresariais precisarão considerar cada vez mais o impacto da transformação digital na sociedade. Nossa capacidade de administrar a vida e as empresas depende diretamente da nossa compreensão sobre a forma como estamos passando a interagir uns com os outros.

Georjes J. Bruel

Head of Content no TD - TransformacaoDigital.com

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