A Previdência atual vai ser extinta! E ela vai necessariamente dar lugar a um novo sistema, maior e mais presente na vida das pessoas, a “proteção de vulneráveis” dará lugar a “liberdade econômica de todos”.
Ao ler eu falar sobre ampliação de direitos e crescimento do papel da Previdência social para melhoria de uma vida não apenas dos contribuintes mas de todos os cidadãos, da classe mais alta e rica, até a melhoria das condições econômicas e não econômicas dos mais miseráveis, é possível você se surpreender.
Você vai imediatamente achar que eu sou um lunático ou iludido, alguém que não lê jornais e está por fora da extinção da Previdência que os neoliberais estão lutando e que não estuda economia, e está sonhando com uma situação que jamais vai existir, inclusive indo muito além do que defendem os esquerdistas conservadores.
Eu entendo que faz todo sentido esta sensação, mas sugiro que você pense um pouco “fora da caixa” (isso, abandone o pensamento esquerda contra direita) e tente compreender a minha visão macroeconômica da realidade de crescimento exponencial da informação e da inovação, e em um período de longo prazo, talvez uma ou duas décadas.
Tecnologia como parte do processo
A Quarta Revolução Industrial é um processo econômico que vai afetar em cheio as relações e o mercado de trabalho, e por consequência, a Previdência
Os impactos sobre a desocupação da mão de obra serão crescentes e gigantescos, e não estarão restritos a profissões voltadas ao trabalho físico ou de baixa qualidade, mas com a machine learning e deep learning está muito mais próxima a substituição de tarefas intelectuais, inclusive de alta qualificação, como de médicos ou advogados e juízes.
Perceba que se já fazem mais de 20 anos que o maior jogador de xadrez do mundo, Garry Kasparovy, foi derrotado pelo computador Deep Blue da IBM.
Sendo assim, a inclusão de inteligência artificial no desenvolvimento do trabalho jurídico não é algo para você ficar surpreso. Entenda mais sobre inteligência artificial e machine learning.
A Previdência é um sistema que se baseia por um lado em altruísmo e benevolência para apoiar o necessitado, mas por outro lado, em um sistema de conciliação de egoísmos.
A desocupação será uma reestruturação sem precedentes. O modo de produção mudará mais que nas 3 revoluções industriais anteriores
Em 15 anos, estima-se que entre 150 e 200 pessoas a cada 300 ficarão sem emprego ou função na sociedade de forma permanente.
No livro o Fim dos Empregos,o autor Jeremy Rifkin já previa o colapso no mercado de trabalho com a Transformação Digital.
- Consequências para o mercado: Sem mercado consumidor, não há para quem vender, e o capitalismo entrará em colapso.
- Previdência: Sem trabalhadores ativos contribuindo para o sistema, não há como pagar os benefícios atuais.
- Capital: O acúmulo de capital em poder de corporações gigantescas será inútil sem que as próprias empresas distribuam essa riqueza para a sociedade.
O mundo entrará em um dilema fundamental, ao qual a geração atual de líderes mundiais não tem condições de resolver, exatamente por preconceitos ideológicos de sua época por eles insuperáveis.
Este dilema será duro de superar, pois os líderes atuais desenvolveram toda sua mentalidade com base em sistemas de pensamento e racionalidade simplificado e lógico, onde Fator A gera consequência B.
No Direito, este pensamento é refletido em Kelsen, quando desenvolve a teoria da norma jurídica, “o ser e o dever ser”. Na Previdência, basicamente pela lógica de risco social que gera direito ao benefício, ou também, está desenvolvendo atividade profissional, gera obrigação de contribuir. Ou ainda, não contribuir gera a consequência de não ter direito ao benefício.
O pensamento simplificado domina todas as áreas científicas atuais, porém está ultrapassado, e já está sendo superado pelos intelectuais do presente, e em breve dará lugar ao pensamento complexo.
O pensamento complexo é uma teoria desenvolvida pelo Filósofo Francês Edgar Morin, que propõe a fundamentação da racionalidade humana, e por consequência a construção do alicerce teórico das organizações sociais, estatais e privadas com base em uma série de fatores, de preferência relacionando todos os fatores relevantes, a fim de prever e obter várias consequências relevantes quando cada fator é modificado.
Para definir o conceito de miserabilidade (pobreza) também se tem o costume de adotar o pensamento simplificado, por exemplo, quando o Banco Mundial adotou o conceito de pessoa pobre é aquela que ganha menos de 2 dólares por dia.
O pensamento complexo foi utilizado pelo Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, para desenvolver um conceito bem mais apurado de pessoa pobre, que engloba todos os elementos fundamentais para a construção do conceito.
Amartya estudou por 20 anos inúmeros países para comparar o PIB do país e a riqueza produzida com a condição da população pobre, e concluiu que estes dois elementos não estão diretamente relacionadas.
Por isso, fica claro que a Transformação Digital será um processo econômico que não levará necessariamente à melhoria das condições humanas, e que trará desenvolvimento social e econômico como consequência direta.
Leia também: Os impactos globais da Transformação Digital na economia
A responsabilidade dos líderes
A Transformação Digital é um processo que necessita de uma conscientização das lideranças sociais, empresariais e governamentais mundiais para que atinja toda humanidade, trazendo melhoria das condições sociais em todo planeta.
A crise dos refugiados que o planeta vive atualmente, atingindo mais de 62 milhões de pessoas segundo dados da ONU, comprova que, na Era pós globalização, ou as melhorias precisam ser estendidas para toda humanidade, ou toda humanidade será prejudicada com o aumento da miséria, da pobreza e da desagregação, ampliando as condições para o surgimento de redes terroristas e violência disseminada entre as populações civis de todo mundo, especialmente contra os países mais desenvolvidos.
A humanidade continuará vivendo um período de crescente miséria e autodestruição enquanto este dilema não for resolvido.
Na América Latina e no Brasil, as condições sociais – independente da liderança de governos de esquerda e de direita – são prova de que este modelo simplificado do pensamento e das organizações não é mais suficiente.
O que é mais impressionante é que a humanidade nunca viveu períodos de tanta fartura e produção de alimentos, tecnologia, meios de transporte e comunicação. Ou seja, a possibilidade de alcançar uma realidade mais adequada não depende mais de uma nação “abrir mão” de sua boa condição material e ser benevolente.
A verdade é que as grandes corporações e os grandes especuladores financeiros não tem mais onde colocar tanto dinheiro.
A realidade econômica da Transformação Digital
Os maiores bilionários já adotaram a idéia da Renda Universal Básica (RUB), que nada mais é que uma aposentadoria mundial universal, para todas as idades e todas as classes sociais.
Diferente da proposta de assistência social do Governo Brasileiro baseado no Programa Fome Zero, a Renda Universal Básica não prevê distinção nenhuma de renda ou critérios para obtenção deste “salário”.
Mark Zuckerberg já se pronunciou inúmeras vezes de forma favorável a RUB, afirmando que durante a fase de universitário dependia muito das outras pessoas para conseguir desenvolver suas idéias, e que esta renda permitiria as pessoas se dedicarem mais aos seus sonhos.
Elon Musk também se pronunciou a favor da RUB, dizendo que esta é, sem dúvida, a melhor solução para lidar com a imensa e crescente abundância que esta geração está vivendo devido às novas tecnologias e não está usufruindo.
Albert Wenger escreveu um livro chamado World After Capital (O Mundo Após o Capital), onde defende a ideia. E, para completar, ainda montou uma organização para fomentar a ideia.
Sam Altman é um programador, blogueiro e empreendedor que investe em empresas promissoras, entre elas a DropBox, AirBnb, Reddit e outras, e já deu um passo a mais, não é apenas um defensor da ideia da RUB, mas está investindo em um projeto na Califórnia, onde está selecionando cerca de 1000 participantes para receber entre U$ 1000 e U$ 2000 por mês, durante 2 anos, a fim de verificar qual impacto a experiência terá nas suas vidas e poder medir isso na sociedade.
Entenda melhor como a proposta da Renda Universal Básica está se desenrolando lá fora neste artigo.
Mas em um mundo onde todas as pessoas terão uma renda básica a vida inteira, qual será a necessidade e o papel da Previdência Social?
A nova previdência Social
Bom, certamente os bilionários e os políticos de esquerda ou direita defensores do projeto tem em mente que as pessoas não irão querer viver apenas com esta renda básica, e também não terão vontade de deixar de exercer qualquer atividade profissional, até porque as máquinas não substituirão as pessoas em milhares de atividades.
A Previdência terá um papel de manutenção do padrão de vida alcançado pelas pessoas, garantindo um nível de renda superior para quem se desenvolveu e se dedicou à sociedade durante uma fase ativa.
Outro papel fundamental é o desenvolvimento da teoria da Responsabilidade Civil dos Cidadãos e das Empresas em âmbito previdenciário, que trará condições de impulsionar uma nova abordagem civilizatória das relações sociais, aplicando elementos de extrafiscalidade da arrecadação das contribuições previdenciárias dos indivíduos.
Esta também já é uma realidade aplicada na Previdência Social no Brasil, quando se trata do SAT/FAP, que é um fator que reduz ou aumenta o valor do tributo de acordo com o nível de aumento ou redução dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais gerados naquelas empresas e atividades econômicas.
Posteriormente, com a pressão exercida pelas empresas contra os trabalhadores para não registrarem suas doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, o INSS instituiu o NTEP, que é a aplicação do conceito de responsabilidade civil positivo, aplicado à Previdência. Resumidamente. A partir dele, a empresa que causa mais doenças ocupacionais e acidentes de trabalho paga impostos até 400% mais altos que as que não causam.
Há de se repensar a progressividade tributária em relação a renda mensal formal e formas de aplicação prática da extrafiscalidade na cobrança da contribuição previdenciária, que define impostos maiores para os trabalhadores com rendas menores.
Só por estar registrado na CTPS, o indivíduo paga menos imposto (8%) do que alguém que está registrado com o teto máximo do RGPS? Este critério é baseado em uma premissa que não condiz com a realidade, e incentiva demais – na prática – a manutenção de salários formais baixos e a sonegação com pagamento de “salário por fora”.
Enquanto um indivíduo que teve 3 passagens pelo presídio por violência contra mulher ou contra menores, ou roubo com violência ou outros crimes, é premiado com o recolhimento de apenas 8% de INSS, de outro lado uma pessoa que se dedica a preservação do meio ambiente e atua em trabalhos voluntários efetivos nesta área precisa recolher 20% de sua renda como autônomo (o que obriga a trabalhar mais e impede de se dedicar a sua luta pelo meio ambiente).
Estas premissas devem ser repensadas.
Diferenciação de “categorias” de segurados (empregado, avulso, contribuinte individual) cada vez faz menos sentido e causam distorções absurdas.
É complicado querer estabelecer qualquer explicação de como isso funcionará, pois depende da consequência de mudanças que ainda não aconteceram. Não estamos aqui para prever o futuro ou especular.
Mas certamente algumas características já podem ser desenhadas, e arriscamos definir algumas linhas gerais desta transformação, a qual atualmente apontamos em nove.
9 Mudanças na Previdência Social na maioria das nações:
01.
A Previdência deixará de ser Social e passará a ser Universal (cobrirá todas as classes, todas as idades, todas as profissões e não-profissões);
02.
A Previdência passará a proteger não apenas os fatos pessoais que colocam os trabalhadores em momentos de riscos, vulnerabilidades sociais e perigo de empobrecimento repentino, e passará ser um sistema de fomentação das capacidades humanas e desenvolvimento de uma sociedade finalmente civilizada e evoluída, com a concessão da Renda Básica Universal;
03.
A Previdência passará por uma Transformação Digital profunda, incorporando em todos os seus aspectos e serviços todas as formas de tecnologia possíveis para resolver e minimizar as situações de risco social dos cidadãos e fazer cumprir as obrigações de “responsabilidade civil dos segurados”;
04.
A Previdência será um sistema Mundial, que caminha em direção a um sistema único para cobrir toda humanidade (especialmente por interesse de americanos e europeus que terão que entender que a miséria dos demais países lhes prejudicará em um mundo globalizado);
05.
A Previdência deixará de ter a separação Pública e Privada, e passará a ser única e mesclada, deixando de ter foco direto no lucro de grandes corporações financeiras, mas indireto, a fim de garantir a manutenção de mercados consumidores com capacidade e poder de compra;
06.
O financiamento do sistema de seguridade deixará de ser exclusivo dos empregadores, empregados e governo, nos seus limites mínimos, e passará a ter um peso ainda maior das grandes corporações. Passará a ser financiado principalmente pela produção de riqueza gerada pela automação e robotização dos processos produtivos;
07.
Será incorporado o conceito de “responsabilidade civil do segurado”. Ou seja, as contribuições da população deixam de ser diferenciadas de acordo com a sua categoria de segurado ou faixa salarial, e passam a ser baseadas na extrafiscalidade, ou seja, aumentarão progressivamente de acordo com punições e multas por comportamentos que prejudiquem a sociedade e desrespeitem a liberdade, a integridade das outras pessoas e o meio ambiente, o que resultará em um novo papel para a Previdência, que relatamos nos próximos pontos;
08.
A Previdência terá um papel social fundamental na redução positiva de preconceitos e desrespeitos aos direitos de maneira geral, promovendo a multidiversidade e o respeito às minorias. A discussão acerca de como envolver a Previdência em punições de caráter financeiro (e não de reclusão) à crimes contra a mulher, à comunidade LGBT, à criança e ao idoso, estão começando a fazer parte da produção acadêmica em todo o mundo;
09.
A Previdência será um dos principais mecanismos de proteção ao meio ambiente em largas escalas sociais e humanitárias, e terá apoio da tecnologia para manter essa fiscalização;
Entendemos que esta é uma pauta essencial para discussões previdenciárias de alto nível de qualidade para os próximos anos, e que o desenvolvimento destas teses construirá o que podemos chamar de Previdência 3.0.
Considerando que a Previdência surgiu com Bismark na Alemanha do século XIX, e passou por grande transformação e ampliação com Beveridge na Inglaterra da década de 40 do século XX, esta será a terceira reestruturação dos fundamentos de proteção social e superação do modelo de Previdência atual, que já não atende mais às necessidades da população por um lado, e pelo outro prejudica o desenvolvimento da economia, ocupando importante parte da arrecadação estatal.