A primeira coisa que temos que considerar do título desse artigo é a palavra mindset ou mentalidade em Português. O digital, nesse caso, é um acessório que corresponde ao tipo de mudança de mentalidade mais conectada à era em que a nossa sociedade vive. Portanto, o que estamos buscando aqui é uma transformação no jeito de pensar, pois o que nos trouxe até aqui provavelmente não nos levará ao amanhã. Por que?
Na prática, nosso mundo ainda está muito vinculado à mentalidade linear da 2ª Revolução Industrial do séc. 19. São modelos de organização social, de gestão, práticas e habilidades que parecem não responder aos desafios e demandas impostos pela 4ª Revolução Industrial. Será?
Nosso atual mindset
Para ficar mais fácil de entender vamos utilizar o exemplo da indústria e da escola. Quais elementos são comuns a esses dois ambientes?
Ambos contam com uma hierarquia vertical clara, uniformes que identificam os grupos de líderes e liderados, sinais para entrada, saída e intervalos e linha de produção: na indústria são as atividades isoladas realizadas por indivíduos com pouca visão sistêmica da cadeia produtiva. Na escola, temas e matérias fragmentadas que pouco se associam na lógica em que são transmitidas dos professores aos alunos que, por sua vez, ao final de cada aula devem virar a chave e partir de história para matemática como se trocassem de roupa.
Esse modelo mina ou negligencia a conexão em rede, a liberdade criativa, o espaço para questionar os padrões, a colaboração e a coletividade, elementos essenciais para triunfar nos dias de hoje.
Nesse rápido exercício sobre os nossos modelos educacionais, fica claro como somos moldados numa mentalidade do século 19, mas que tem como desafio responder às demandas do século 21. E, claro, isso gera uma sensação de crise e incerteza evidente nos ambientes corporativos pelos quais trafego ao longo da minha carreira.
Como fomentar a criatividade se nos atuais modelos de gestão valorizamos o sucesso na repetição do que já fazemos? Poucas palavras seriam mais sábias como a do filósofo italiano Domenico de Masi em seu livro “O Futuro Chegou”:
“…vemo-nos forçados a reconhecer que o que está em crise não é a realidade, mas, sim, a nossa maneira de interpretá-la, os nossos modelos: uma vez que as categorias oriundas da época industrial já não são capazes de explicar o presente, acabamos sendo induzidos a desconfiar do futuro.”
Logo, como citei no inicio desse artigo, o mindset digital trata de uma mudança de mentalidade e da quebra dos paradigmas atuais na forma como enxergamos o mundo e nos relacionamos com ele.
Não se trata apenas de tecnologia
Mas afinal, do que é o mindset digital? Seria a utilização de tecnologias em tudo o que fazemos? A digitalização dos processos e documentos? O trabalho remoto e em rede? Sim e não. Na verdade, esses exemplos citados são muito mais consequências do que essência.
Você já parou para pensar no que significa digital? Para responder isso podemos considerar os elementos que foram o alicerce para tudo o que chamamos de digital, os componentes mais básicos da computação ou dos chips: números binários 0 e 1. Se olharmos por essa abordagem, é a combinação desses números que geram bits, bytes e toda a base da nossa relação com a computação e, consequentemente, tudo o que puder ser considerado como digital.
As infinitas combinações desses dois elementos que se repetem sistematicamente são capazes de simplificar as operações matemáticas mais complexas de sistemas computacionais.
Quando colocamos essa lógica no contexto da mentalidade humana, podemos concluir algo bem simples: ser digital trata de reorganizar os elementos já existentes para alcançar novos resultados. É fazer as mesmas coisas de forma diferente e, dessa maneira, entregar algo também diferente.
Claro, na era em que vivemos as tecnologias exponenciais que causam disrupção em diversos níveis na nossa sociedade são indispensáveis para ampliar o leque de possibilidades do que podemos fazer e que não era possível antes.
Vamos pensar em um exemplo bem simples e de fácil associação: não é de hoje que as pessoas alugam suas casas e quartos para estranhos. As pensões estão aí para provar que isso acontece desde os princípios da urbanização. Também não é de hoje que esse tipo de transação ocorre via internet ou plataformas. Mas quando se cria sistemas de reputação para estabelecer a confiança entre estranhos em escala global, é possível combinar novamente todos os elementos já existentes no processo de aluguel temporário numa plataforma como o AirBnB.
Mindset digital e o mundo corporativo
Empresas, em sua essência, são instituições que oferecem produtos e serviços visando entregar lucro aos seus acionistas, certo? Empresas vão continuar precisando fazer isso, mas de uma forma diferente: mudando seus modelos de gestão e de negócio, oferecendo experiência ao cliente e colocando-o no centro de tudo o que faz. Não fosse assim, a busca pela transformação digital não seria uma das prioridades do mundo corporativo e de empresas que foram e são, mas não necessariamente continuarão, hegemônicas em seus mercados.
Nessa linha de pensamento líderes e gestores continuarão a atrair, desenvolver, reconhecer e gerir pessoas e equipes sem perder de vista o resultado do negócio. Mas para isso acontecer precisam abandonar o modelo de comando e controle e promover uma gestão mais flexível, orientada por propósito e que engaje os colaboradores a serem intraempreendedores, trabalhando com mais autonomia e em redes internas e externas.
Assim como as áreas de TI continuarão a desenvolver sistemas que apoiam o funcionamento da companhia, mas de outra maneira, mudando da lógica do processo de desenvolvimento cascata ou waterfall para processos mais ágeis, baseados em protótipos e com times por projetos como SCRUM, Sprint, Kanban, entre outros.
Gerentes de produto continuarão a criar ou redesenhar produtos e serviços cada vez mais inovadores, mas orientados a resolver as dores dos clientes como prioridade, aprendendo com testes e erros, acompanhando tendências tecnológicas e sociais por meio de soluções escaláveis que aumentem a receita.
Por exemplo, apenas focus group e pesquisas quantitativas e qualitativas tradicionais não sejam mais suficientes para entregar o que é preciso. Mas quando adicionamos a capacidade de corte qualitativo e quantitativo por meio de big data, pesquisas etno e netnográficas e future foresights temos novos caminhos para – mais uma vez – fazer as mesmas coisas de forma diferente.
A lista de exemplos e correlações poderia continuar por páginas e páginas, mas a lógica fica clara: a mentalidade digital pede que mudemos a forma como enxergamos as coisas, conectamos os pontos e inserimos novos elementos para gerar soluções, produtos e serviços adequados para uma sociedade que vive, se comunica, consome, trabalha e demanda de um jeito digital.
Em tempos de liquidez, incerteza e complexidade a transformação da mentalidade linear para uma digital não será mais um diferencial competitivo e sim um conjunto de habilidades essenciais para quem quer continuar relevante no mundo que se modifica exponencialmente.
E você, o que precisa fazer de forma diferente?
Para continuar aprendendo, entenda o que mentalidade digital e qual o seu atual impacto no cenário empresarial.