A maior dificuldade para quem nasceu no Brasil e escolheu o nomadismo digital como estilo de vida não é encontrar um trabalho que possa ser feito remotamente. Grande empresas do país estão apostando no trabalho remoto e, caso você deseje trabalhar por conta própria, criar seu próprio trabalho também não é um bicho de sete cabeças.

O problema para nós brasileiros (aqueles que não tem cidadania europeia, pelo menos) se chama passaporte. Estou há pouco mais de um mês na Itália e escrevo neste momento diretamente de Roma. Estou gostando tanto daqui que, por mim, ficaria até o final do ano. Porém, como brasileiro e sem cidadania europeia, não posso. Quando completar três meses em território italiano terei que procurar um outro país para viver – e que esteja fora do Acordo de Schengen.

Embora meu trabalho seja remoto e meus clientes estejam aí no Brasil, ou seja, não estou tirando o emprego de nenhum cidadão italiano, nômades digitais não se enquadram nos requisitos necessários para se solicitar um visto de trabalho. As legislações dos países neste sentido são antigas e hoje ficamos num limbo entre os vistos de turista e de negócios, onde, embora não haja ilegalidade da nossa parte, não podemos usufruir dos benefícios que um visto de trabalho traria – como passar mais tempo em cada país, por exemplo.

A boa notícia é que, se depender da Estônia, país europeu menor que o estado de Santa Catarina, essa realidade vai mudar. Referência em transformação digital, a Estônia se tornou a primeira “nação digital” sem fronteiras, fortalecendo o pensamento dos nômades digitais de que nenhum negócio deve estar vinculado à localização física.

Como a Estônia se tornou referência em transformação digital

Com uma população de apenas 1,3 milhão de habitantes e área duas vezes menor que o estado de Santa Catarina, a Estônia conseguiu assegurar sua posição como o país com maior avanço digital do mundo.

A explicação é simples: em 1991, após reconquistar sua independência da União Soviética, os estonianos tiveram que encontrar uma solução de baixo custo para fornecer serviços públicos aos seus cidadãos. Essa busca resultou na criação de uma série de serviços eletrônicos fornecidos pelo governo: votação online durante as eleições, arquivamento online de impostos, abertura e administração online de empresas, assinatura digital, entre outros.

Para você ter uma ideia, em 1997, 97% das escolas da Estônia estavam online e desde 2000 as reuniões do gabinete do governo não utilizam papel.

A verdade é que, falando de forma global, poucos países imaginaram como a internet revolucionaria quase todas as áreas das nossas vidas e transformaria totalmente a maneira como trabalhamos hoje.

Na Estônia, no entanto, a magnitude de sua revolução era mais óbvia. A infraestrutura do país precisava ser reconstruída quase do zero, sua burocracia de estilo soviético tinha que ser eliminada e novos empreendedores eram necessários para desenvolver a economia.

Foi quando os estonianos olharam para a internet recém-emergente e decidiram explorar seu potencial para ajudá-los a construir um novo tipo de nação com um estado eletrônico e uma sociedade digital. Isso poderia resolver estes problemas e ajudar o país a abrir-se para o mundo depois de tantos anos de isolamento.

Embora tenha conseguido grande sucesso nesse sentido, como muitos dos países ocidentais, a população da Estônia está diminuindo lentamente, o que por sua vez inibe o crescimento da economia do país.

Então, novamente, o país se viu num dilema. Como aumentar o número de contribuintes que possam alimentar o crescimento econômico? Aumentar a taxa de natalidade é um processo lento e complicado. Por este motivo que a Estônia criou o conceito de e-Residency, oferecendo às pessoas de todo o mundo acesso online aos seus serviços governamentais anteriormente disponíveis apenas para residentes da Estônia.

O que é o “e-Residency” e quais são seus benefícios

Graças à transformação digital, agora podemos conduzir negócios de forma global como nunca antes na história da humanidade. Infelizmente, nosso novo mundo digital também tem novas fronteiras digitais. Isso significa que sua capacidade de iniciar e expandir uma empresa online ainda é restrita com base no seu local offline.

A ideia do e-Residency, a residência eletrônica da Estônia, é justamente acabar com essas fronteiras para que qualquer pessoa possa se beneficiar dos serviços públicos do país inteiramente online e, por conseguinte, operar dentro do ambiente de negócios da União Europeia em qualquer lugar do mundo.

O governo da Estônia acredita que o e-Residency é a melhor maneira de administrar uma empresa confiável independentemente do local e com custo mínimo.

Os benefícios para quem resolve aderir ao e-Residency são muitos:

  • Abrir e administrar uma empresa online – e com “sede física” dentro da União Europeia;
  • Realizar transações bancárias online;
  • Ter acesso a provedores de pagamento internacionais;
  • Assinar digitalmente documentos (relatórios anuais, contratos, etc) dentro da empresa, bem como com parceiros externos;
  • Verificar a autenticidade de documentos assinados;
  • Criptografar e transmitir documentos com segurança;
  • Declarar impostos online.

O e-Residency funciona através de um cartão de identificação inteligente que permite acessar com segurança todos os serviços mencionados em qualquer lugar do mundo. Tudo que você precisa é um computador e internet.

Quem pode solicitar o “e-Residency”?

Qualquer pessoa pode solicitar a residência eletrônica, não importando onde você more ou qual passaporte carregue – o que é ótimo para nós brasileiros.

Atualmente, a principal vantagem de ser um residente eletrônico é a capacidade de abrir e administrar uma empresa online. Para comparação: é possível abrir uma empresa na Estônia em 15 minutos, de casa; enquanto no Brasil o procedimento, cheio de burocracias presenciais, leva 79 dias.

Dependendo das circunstâncias, no entanto, alguns empreendedores se beneficiarão mais do que outros. As pessoas que tendem a se beneficiar mais da facilidade de conduzir negócios através do e-Residency são:

  • Nômades digitais;
  • Profissionais autônomos (como freelancers ou empreendedores individuais);
  • Empreendedores que oferecem serviços online;
  • Empreendedores que desejam reduzir os custos administrativos e reduzir o incômodo de administrar sua empresa;
  • Empreendedores que não conseguem acessar serviços financeiros e ferramentas de negócios de que precisam (como o PayPal) porque são restritos a empresas registradas em seu território;
  • Empreendedores que desejam operar dentro do ambiente de negócios da União Europeia para maior facilidade na condução de negócios globais;
  • Empreendedores que falam inglês, russo ou estoniano – a infraestrutura digital da Estônia pode ser acessada nos três idiomas.

O próximo passo: visto especial para nômades digitais

O e-Residency, embora ajude – e muito – os nômades digitais ao redor do mundo, não oferece cidadania para os residentes estrangeiros. Mas, em breve, isso não será mais um problema.

O último anúncio da incessante busca da Estônia de ser o país mais digitalizado e moderno do mundo é o desenvolvimento de um visto especial para nômades digitais. À medida que o número de trabalhadores remotos cresce, a maioria dos nômades digitais se instala em um local barato e com ótima estrutura, como Chiang Mai na Tailândia, por exemplo.

Porém, devido a limitações de vistos, esses profissionais muitas vezes precisam sair do país e viajar para outro lugar – o que é o meu caso atualmente como nômade digital brasileiro na Itália.

O visto eletrônico da Estônia resolverá esse problema, permitindo que nômades digitais de diferentes nacionalidades estabeleçam uma base em algum lugar de forma mais permanente – uma solução que também complementaria muito o próprio e-Residency.

Segundo comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Estônia, “a política de migração deve levar em conta o fato de que no mundo globalizado de hoje, as pessoas são mais móveis, muitas vezes combinando trabalho e viagens“.

Como isso funcionará no mundo real? O visto deverá estar disponível em 2019, permitindo que os nômades digitais permaneçam na Estônia por 365 dias, incluindo também um visto de trabalho válido por 90 dias para circulação dentro de países que fazem parte do Acordo de Schengen.

Isso não significa, necessariamente, que os nômades digitais terão que pagar impostos na Estônia: eles ainda poderão ser residentes fiscais em seus próprios países. No entanto, há planos para oferecer planos de saúde e seguro durante a validade do visto.

Como nômade digital, é um prazer ver um pequeno e jovem país assumir o comando no mundo digital e ficar à frente das tendências atuais. Que sirva de exemplo para o Brasil!


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Matheus de Souza

Empreendedor digital | be freela Nômade digital que escreve e empreende. Considerado pelo LinkedIn como o terceiro brasileiro mais influente da rede em 2016. Trabalha de forma remota ao redor do mundo contando histórias e produzindo conteúdos.

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