Quem atua no mercado de startups está acostumado a ouvir que um projeto precisa nascer de olho no mercado global, como acontece em ecossistemas de inovação como Israel, Singapura e Suécia. As soluções desenvolvidas nestes países, porém, precisam atravessar fronteiras para suprir o pequeno mercado interno e ganhar escala.

O Brasil, por sua vez, tem dimensões continentais e imensas oportunidades de negócio. Alguns podem achar que é “pensar pequeno” desenvolver algo para o mercado local. Mas e quando seu produto depende de um conhecimento de cultura e hábitos locais para atingir o sucesso? Quando eu dei os primeiros passos para construir, há nove anos, uma plataforma de informações sobre o mercado rodoviário brasileiro, percebi que era preciso conhecer em detalhes todas as particularidades – e somam-se a isso os desafios – deste setor.

Nenhum outro país tem o mercado rodoviário com as características do Brasil, devido à geografia do país, perfil de público e infraestrutura viária bastante heterogêneos, limitação de oferta de linhas em determinados trechos etc.

Estudo de caso

Hoje, mais de 4 milhões de pessoas  fazem mais de 12 milhões de pesquisas sobre horários, preços e trajetos rodoviários por mês no BuscaOnibus, um portal que agrega dados de mais de 160 viações e que é o resultado de um projeto que iniciou com a minha experiência como desenvolvedor de sistemas e mochileiro – desbravando o litoral brasileiro do sul ao nordeste enfrentando a falta de informações disponíveis aos viajantes.

Se formos comparar com o mercado aéreo, as diferenças são gigantes. No aéreo, o perfil de público é muito mais homogêneo (majoritariamente classes A e B), com acesso maior a tecnologia e meios de pagamento online. Há também um número limitado de empresas oferecendo voos e de aeroportos, que se concentram nas capitais e cidades de maior porte.

No meio rodoviário, temos um público que vai do empresário, que usa o ônibus quando não há opção de voo, até pessoas bem humildes que mal possuem acesso a informações online para pesquisar preços e trajetos. Além disso, a capilaridade do mercado rodoviário atinge cidades que sequer têm uma rodoviária – algumas paradas são em pontos no meio de rodovias.

Outro desafio que enfrentamos enquanto fazíamos a integração dos dados das viações à nossa plataforma foi a falta de informações exatas: no Brasil, mais de 500 cidades têm em outro estado um município com o nome idêntico ao seu. Por outro lado, algumas viações tratam os nomes de suas paradas de forma muito local, usando abreviações, nome do bairro e, na maioria das vezes, omitindo o estado. Isso nos obrigou a fazer um mapeamento específico por viação, só possível com conhecimento local.

Por isso – somado também ao fato de termos uma população de 210 milhões de potenciais usuários – optamos por nos manter focados no Brasil, por termos uma vantagem competitiva que não teremos em outros países. Comparado a outros países emergentes com um mercado mais maduro na compra de passagem de ônibus (como a Índia), há um mercado gigantesco aqui a ser explorado, já que pouco mais de 6% das passagens rodoviárias são compradas online.

Trabalhe perto do usuário e conheça seu ambiente

Por mais que empresas e startups que atuem na área de serviços online busquem um alcance mais amplo, recomendo sempre fazer a prova de conceito com foco local/regional. É preciso trabalhar perto do consumidor, conhecer o ambiente e entender de fato seus problemas para desenvolver uma solução eficaz e oferecer boas experiências ao usuário. Se este é o seu negócio, não se sinta obrigado a pensar globalmente – há vários exemplos de empreendedores que tentaram abraçar o mercado externo sem ter o conhecimento necessário do ambiente e acabaram tendo que repensar suas estratégias.

Nem por isso é preciso ignorar oportunidades em outros mercados – desde que você tenha um parceiro com conhecimento da cultura e dos hábitos em que você pretende atuar e assim reduzir sensivelmente os riscos. Não existe receita de bolo, nem tecnologia milagrosa, quando se fala em mercados que dependem destes fatores. O transporte terrestre, especialmente no Brasil, demanda um conhecimento profundo e acompanhamento constante – mesmo com a tendência atual de nômades digitais e trabalhadores home-office, não conheço nenhuma empresa que conseguiu ser bem sucedida com uma estratégia à distância neste mercado.

Em alguns anos, o trabalho que empresas como o BuscaOnibus estão fazendo, ao facilitar o acesso a informação, pode tornar o mercado brasileiro um pouco mais “amigável” a empresas e empreendedores estrangeiros.

José Almeida

CEO e Cofundador no BuscaOnibus O BuscaOnibus é uma plataforma de metabusca que integra informações (trechos, horários e preços de passagens) de mais de 160 viações do Brasil e Mercosul. O portal é acessado por mais de 4 milhões de usuários/mês.

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