As pessoas entraram em uma era de transformações profundas no atual período pós Globalização. Com a liberdade de manifestação do pensamento e de circulação de idéias tão intenso quanto a liberdade de circulação das mercadorias, ou ainda maior, a humanidade tem chocado culturas, religiões, estilos de vida e formas de pensar diferentes em uma intensidade jamais vista.

Criar, compartilhar e disseminar pensamentos se tornou tão fácil e escalável, e a velocidade que a racionalidade coletiva evolui é tão intensa, que fica difícil para partes dessas sociedades acompanharem a mesma linha. As sociedades evoluem de forma mais setorizada e segmentada, tornando a sociedade civil mais complexa, mais instantânea e mais tensa.

Um brasileiro e um chinês às vezes têm mais em comum que dois brasileiros entre si. Criaram-se não uma cultura mundial, mas inúmeras culturas mundiais, com identidade na música, artes, literatura, hábitos, trabalho e hobbys compartilhados em várias partes do mundo, mas estranhas aos vizinhos de um mesmo bairro. Com formas de se relacionar e estilos de vida tão diferentes, a tensão entre as pessoas aumenta: afloram diferenças e desentendimentos.

O cotidiano das pessoas se diversificou, a realidade se tornou multipolarizada. Cada indivíduo faz parte de inúmeros grupos sociais e estabelece vínculos e relações mais superficiais, porém, em muito maior quantidade que em tempos passados. Vínculos antigos e vínculos novos permanecem com sutis contatos pela via digital. As companhias não presenciais dinamizam as relações humanas e tornam os momentos de prazer e desprazer mais constantes, tornando a vida mais intensa e mais conflituosa.

Essa nova dinâmica social exige uma nova conceituação do que é Justiça (um conceito mais amplo do que dar a cada um o que é seu) e como o Estado precisa se preparar para estar presente neste momento e apresentar a decisão do juiz, entregando um dos seus principais serviços, qual seja, a prestação jurisdicional. A solução dos conflitos individuais e coletivos acontece em uma proporção totalmente diferente do que ocorria quando os preceitos da justiça e do processo de decisão judicial foram estabelecidos.

Atualmente, o Estado não respondeu e nem criou os mecanismos que necessita para prestar esse serviço, mas já percebeu nitidamente que precisa se transformar, especialmente no que diz respeito ao Poder Judiciário.

Hoje, a Transformação Digital é uma necessidade para a continuidade da existência da Justiça.

Não é o Estado e o Judiciário hoje que resolvem a maioria dos conflitos, sejam eles no campo do Direito Civil (consumidor, família, contratos, bancário, empresarial, trabalhista) ou Criminal, mas sim mecanismos sociais de resolução injusta destes conflitos e desrespeitos à lei, com soluções muitas vezes à margem da lei. Inclusive com o surgimento de “Estados Paralelos” no vácuo deixado pelo Estado.

Esta realidade é o ponto crucial que tem levado a sociedade atual a um aumento significativo da violência. Em uma sociedade onde não se tem mecanismos legais eficazes, para simplesmente cobrar uma dívida, ou fazer uma reintegração de posse, ou condenar alguém por roubo, o que acontece?

Gradualmente a sociedade vai se deteriorando, e o senso comum vai aprendendo que o Estado não apenas não serve para cobrar a dívida ou reintegrar o bem, mas também não serve para punir quem age com violência para retirar o patrimônio de outrem.

A conclusão lógica é que as pessoas devem fazer sua própria segurança e cobrar dívidas através da violência, o que é uma realidade que ninguém deseja.

Onde o Estado se faz ausente ou omisso e a lei não é cumprida, a Paz é a primeira vítima.

Se você quer a paz, cuide da justiça”, advertia a sabedoria antiga – e, diferentemente do conhecimento, a sabedoria não envelhece. Atualmente, a ausência de justiça está bloqueando o caminho para a paz, tal como o fazia há dois milênios. Isso não mudou. O que mudou é que agora a “justiça” é, diferentemente dos tempos antigos, uma questão planetária, medida e avaliada por comparações planetárias.

– Zygmunt Bauman, Tempos Líquidos

Quando da criação dos Estados Nacionais o Judiciário foi construído com o intuito de resolver o conflito entre os Lordes e os Proprietários de terras, em um volume muito ínfimo de litígios, e não para toda população. O atual estágio da evolução da humanidade necessita de um Poder Judiciário que esteja presente na resolução de milhões de conflitos todos os dias.

O problema sobre A Justiça, a ser resolvido pelo Poder Judiciário e também pela Advocacia na contemporaneidade, se resume à “singela” necessidade de estar presente na resolução de milhões de conflitos diariamente, de uma forma muito mais rápida e eficiente que a atual (outros paradigmas de entrega jurisdicional) e com ainda mais qualidade e aprofundamento dos argumentos jurídicos, tendo em vista que a sociedade é ainda mais informada de seus direitos e esse grau de conhecimento jurídico da população só cresce.

A prestação jurisdicional tem que ser escalável, e entregue aos milhões diariamente, de forma mais rápida, eficiente e com ainda mais qualidade do que temos hoje.

Alguns dirão que para isso é preciso contratar milhares de juízes e auxiliares; outros dirão que mesmo assim seria impossível. Na realidade, o que é preciso para que a Justiça esteja ainda mais presente na vida dos cidadãos é que o Judiciário e a Advocacia ingressem no processo de Transformação Digital que a humanidade está entrando.

A verdade é que para a Justiça (e seus operadores advogados, juízes e promotores), persistir em um mundo cada vez mais complexo, intenso, rápido e conflituoso necessita de auto-revolução, de forma a tornar a tecnologia não apenas uma auxiliar dos serviços jurídicos, mas uma constante.

As alterações nas legislações processuais adotadas principalmente das experiências surgidas na Alemanha buscam introduzir uma metodologia para resolução dos processos repetitivos e de repercussão geral para a sociedade como uma forma de os tribunais superiores “darem conta” da avalanche de recursos que ingressam diariamente em seus estoques. Ocorre que esta medida é paliativa e serve apenas momentaneamente para a solução.

O Judiciário (alguns setores) está muito mais adiantado na adoção de ferramentas digitais que a Advocacia (seja no Brasil ou em nível mundial), o que ainda permite que ele suporte a demanda por mais algum tempo.

Entretanto, nos próximos anos, conforme estudos do Professor especialista da Universidade de Oxford, Richard Susskind, os advogados atuais desaparecerão e surgirá uma nova geração de advogados digitais, que tornarão os processos não apenas muito mais volumosos, mas também muito mais complexos.

O Judiciário, portanto, está diante de duas opções:

  1. Se eximir de prestar a boa entrega jurisdicional optando por julgamentos que restrinjam direitos e retirando a sua presença na resolução de conflitos de massa, especialmente que  sepultem as teses e demandas contra o Estado e Grandes Corporações (o que já vem acontecendo e causando prejuízos à toda população);
  2. Se transformar e se preparar para que seja capaz de atender com qualidade e celeridade os milhões de conflitos no seio da sociedade, sejam eles simples ou complexos, e repetitivos ou raros, aderindo a uma real transformação digital em todas as suas esferas e refazendo as bases legais e processuais ao qual foi erguida e alicerçada;

No campo da advocacia é nítido que a transformação iminente será intensa. Todos os dias surgem notícias de inúmeras iniciativas envolvendo a tecnologia e a advocacia. Recentemente, se noticiou mundialmente sobre um advogado robô, que havia ganhado milhares de recursos administrativos de multas de trânsito na Inglaterra.

Há inúmeros experimentos com Big Data e com Inteligência Artificial para substituir o trabalho dos advogados, mas será que isso é real?

Quem conhece com alguma intimidade o Direito e a Tecnologia sabe que não é bem assim. Para se programar robôs e até mesmo inteligência artificial para a realização de trabalhos tão complexos, subjetivos e humanos, quanto a operacionalização do Direito, é preciso uma mente jurídica responsável por construir os parâmetros e argumentos em casos concretos – assim como aquele robô teve um advogado ao lado do programador para orientar, prever e até escrever a série de argumentações necessárias para cada infração.

Mas se há uma situação inesperada como, por exemplo, uma mãe dando a luz a um filho, e por isso o motorista foi obrigado a ultrapassar o limite de velocidade, bom, este tipo de situação o robô não prevê ou responde sozinho.

A tecnologia servirá para que a Advocacia e o Judiciário respondam milhões de demandas parecidas e simples, e façam o trabalho mais repetitivo e demorado, ou até mesmo cheguem a ir mais além para facilitar os procedimentos. Mas as relações humanas nunca poderão ser compreendidas pelas máquinas, ou os motivos para que a jurisprudência se altere, ou porque em um caso concreto “dizer o direito” seria completamente impossível de ser programado por um computador que trabalha exclusivamente com a lógica.

Pessoalmente, acredito que as ações judiciais repetitivas devem com o tempo ser resolvidas com ajuda de robôs, tendo em vista que nos atuais processos eletrônicos os tribunais impõe aos advogados as escolhas de campos pré-determinados, o que permite a criação de“despachos semi-prontos” onde os assessores sequer leem os processos, e assim resolvem situações comuns.

Isso pode e deve evoluir para o peticionamento inicial com todos os campos pré-determinados em ações repetitivas. E com essas respostas pré-determinadas, os procuradores do governo, por exemplo, poderão pré-configurar suas contestações, sendo as mesmas lançadas automaticamente no processo, no mesmo momento do ingresso da ação (na prática, isso já acontece manualmente em milhões de ações contra os entes públicos).

E se temos contestações automáticas para petições iniciais pré-determinadas, porque não poderia haver sentenças automáticas também proferidas no mesmo dia do ingresso das ações? Abrindo prazo para recurso no mesmo dia? Claro, isso é apenas especulação e futurismo, mas com certeza em algumas questões específicas e repetitivas, uma metodologia desta seria benéfica para a sociedade e para o Judiciário.

Enfim, as possibilidades são infinitas e as pessoas precisam da Justiça para viver melhor, em paz, e se desenvolver individualmente. Portanto, a transformação digital é uma necessidade para obtermos o equilíbrio social e, enfim, concretizarmos a Justiça no cotidiano das pessoas nesta era pós globalização.

Conheça mais possibilidades entendendo o que é Transformação Digital desde o começo.

Eduardo Koetz

CEO na AdvBox Especialista em Estratégias de Marketing Jurídico Digital e Gestão Digital de Escritórios de Advocacia, construiu com sua equipe o primeiro escritório de advocacia totalmente online do Brasil. Atualmente é CEO da Koetz Advocacia e da Plataforma AdvBox.

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