Talvez a gente conheça mais sobre o espaço e os solos de Marte do que sobre o oceano e a terra embaixo de nossos pés.

Quase tudo que consumimos de um jeito ou de outro vem do solo. Meus avôs, pais e tios conectados com o campo preferem dizer “terra”. Cerca de 95% dos alimentos que consumimos dependem do solo, segundo a pesquisadora Maria de Lourdes Mendonça Brefin, da Embrapa Solos. Brefin é a representante brasileira no Painel Técnico Intergovernamental de Solos (ITPS) da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Um pouco mais sobre o solo

A evolução do homem e das cidades sempre esteve ligada ao conhecimento do solo, seja nas primeiras civilizações da Mesopotâmia, na Grécia e até mesmo na Roma Antiga 2 mil anos antes de Cristo. Assim como o ar e a água, o solo é um recurso natural essencial para vida, e que muitas vezes aparece como coadjuvante ao invés de protagonista. O solo é um dos reguladores do ciclo da água no mundo e abriga quase 1/4 (um quarto) da biodiversidade do planeta.

Material complementar: conheça um pouco mais sobre solo em 5 minutos assistindo o filme “Vamos falar sobre solos?”

Segundo estimativas da ONU – FAO são perdidos, por ano, cerca de 24 bilhões de toneladas de solo por erosão, o que gera um custo de aproximadamente US$ 70 (setenta dólares) por ano para cada habitante do planeta. A natureza leva quase 200 anos para criar cerca de 1 a 2 centímetros de solo agricultável (quase 0,01 cm de solo formado ao ano).

Dados de pesquisa do Grupo CSME (Caracterização do Solo para fins de Manejo Específico) da UNESP Câmpus de Jaboticabal-SP, mostram que em um período de um ano, as chuvas podem arrastar por enxurrada entre 0,01 à 0,05 cm de solo descoberto por hectare (área equivalente à um campo de futebol, 10 mil m2), dependendo da região. Outros dados da ONU mostram que o uso inadequado desse recurso natural, chamado solo, causa perdas da ordem de 5 a 7 milhões de hectares anualmente (área equivalente à cerca de 12% o tamanho da Espanha) e que já perdemos metade dos solos férteis do planeta nos últimos 150 anos.

No Brasil, cerca de 140 milhões de hectares estão degradados (área equivalente à soma dos sete Estados das Regiões Sul e Sudeste). Mais do que perder solo, perdemos potencial produtivo para biocombustível, fibras e alimentos, desequilibramos o ciclo dos gases – contribuindo ainda mais para as mudanças climáticas  – e aumentamos a incerteza para as futuras gerações.

E quando o solo pede socorro, como a Transformação Digital pode ajudar? Veja como a Governança de Solos pode ser a resposta para a preservação e manutenção desse bem tão precioso para vida no planeta.

O que é Governança do Solo?

A FAO, organização mundial para assuntos da alimentação e agricultura, resume governança do solo como conjunto de políticas, estratégias e processos para balizar e orientar a tomada de decisão sobre uso e ocupação do solo dentro de um país, estado ou cidade.

A governança em políticas públicas é fundamentada em quatro eixos: monitoramento, coordenação, institucionalização e planejamento. Governar o solo é uma ação que deve ser praticada em grupo, com colaboração entre governos, autoridades locais, gestores empresariais, científicos e cidadãos.

Em 2015, a ONU propôs aos seus 193 países membros um plano global baseado em dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) para serem alcançados até 2030. Mais de 30% desses objetivos tem relação direta com o solo.

Monitorar e evitar a erosão são a base do discurso e conscientização da governança do solo. Porém, a governança vai mais além, promovendo a agricultura sustentável e garantindo a segurança alimentar, por meio da ciência, tecnologia e da transformação digital.

Governança do Solo no mundo e no Brasil

O tema governança do solo é relativamente novo para muitos países. O levantamento de dados mais representativos, a digitalização e organização de informações promovidas pela transformação digital contribuem para popularização, debates, conscientização, implantação e consolidação do tema.

A Comissão Europeia publicou em 2012 um relatório com políticas de uso do solo, contendo estratégias e atividades baseadas em quatro pilares: sensibilização, investigação, integração e a legislação. Todos esses pilares são impactados positivamente pela transformação digital, seja pela velocidade de troca de dados, nível de organização, transparência ou acessibilidade à informação promovida pela digitalização de processos.

Nos Estados Unidos, as políticas federais para conservação do solo já existem há mais de meio século. O incentivo à conservação do solo é feito por programas federais com metas específicas. Grande parte das metas e programas de conservação do solo são baseados em quatro aspectos: indicadores de evolução, problemas com a implementação, eficiência e adequação da implementação, e por fim, administração das metas federais.

Material complementar: conheça o processo de Governança do Solo em outros países para identificar oportunidades ou soluções com a transformação digital.

Neste ponto da leitura e reflexão, você já percebeu a importância do solo para vida, que esse recurso natural não é infinito e que sua conservação é uma preocupação global. Por esses e outros motivos, a ONU declarou 2015 como Ano Internacional do Solo e dedicou o ano para debater a situação dos solos no mundo.

Um dos eventos para debater a importância dos solos para o planeta é o “Global Soil Week”. A terceira edição do evento foi realizada em Berlim, e motivou a 1° Conferência sobre Governança do Solo no Brasil, em 2015. O evento foi organizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com FAO, Embrapa, SNA, Ministério do Meio Ambiente e outras entidades.

Objetivo do evento foi promover a discussão sobre os aspectos que permeiam a governança dos solos e suas implicações em diversos setores no Brasil.

Além das metas propostas pela ONU, a governança do solo no Brasil pode ser fundamentada e orientada pela legislação ambiental brasileira. São cerca de 17 leis ambientais, sendo 7 apontadas como as principais pelos especialistas.

São elas: (1) Lei do Parcelamento do Solo Urbano de 1979, (2) Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, (3) Lei da Ação Civil Pública de 1985, (4) Lei da Exploração Mineral de 1989, (5) Lei de Recursos Hídricos de 1997, (6) Lei dos Crimes Ambientais de 1998 e o (7) Novo Código Florestal Brasileiro de 2012.

A transformação digital no Brasil pode contribuir para uma agricultura de baixo carbono (economia verde) com menor emissão de gases. Indo mais além, a digitalização de processos e mudanças culturais, provocados pela transformação digital, seja na forma de gerir o campo ou instituições públicas, pode ajudar em práticas mais sustentáveis e diminuir riscos da insegurança alimentar.

Um dos legados da Conferência Brasileira para Governança do Solo foi a Carta de Brasília. O documento sugeriu a implantação de medidas para conservação do solo e convoca os diferentes setores da sociedade para se engajarem em torno de ações para proteção e preservação do solo.

Benefícios e oportunidades da transformação digital para Governança do Solo

As discussões brasileiras sobre o tema já iniciaram e estão se intensificando. Existem diversas iniciativas públicas no Brasil que podem ajudar na apuração de riscos e oportunidades da governança dos solos brasileiros.

Algumas delas são: Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), Zoneamento Agroecológico (ZAE), Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), Regularização Fundiária e Reforma Agrária, Certificação e Cadastro Rural, Cadastro Ambiental Rural (CAR), Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), Programa de Combate à Desertificação, Programa Produtor de Água e Programa Bolsa Verde.

Porém, existe pouca ou nenhuma integração de informações, é o que aponta auditoria realizada pelo TCU. Em 2014, foi aplicado cerca de R$ 1,7 bilhão em programas nessa área. A transformação digital pode contribuir significativamente para essa integração de informações, data analytics, ações transdisciplinares e tomada de decisão multissetorial.

O acesso à informação básica e essencial e fundamental para o crescimento individual ou conjunto de pessoas, além de instituições públicas ou privadas. Mais do que agregar na governança do solo nacional e mundial, a transformação digital pode contribuir para o avanço do mobile government (M-gov) no Brasil.

Em outros países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Estônia e Nova Zelândia, desde 2009 já ocorrem debates sobre dados governamentais abertos e governo eletrônico (e-gov). No movimento M-gov, plataformas permitem o acesso a serviços e informações públicas para diferentes setores e aplicações, dentre elas governança do solo.

O Datapedia é um exemplo de M-gov que consolida dados públicos de diferentes fontes como IBGE em uma plataforma única, acessível e pública. São mais de 50 tipos de infográficos por município brasileiro, desde renda por bairro até potencial econômico. São diferentes indicadores econômicos, sociais e educacionais. Por que não incluir dados sobre o solo? Outro exemplo nacional do movimento do M-gov para gestão da pesquisa, ciência e tecnologia é a plataforma Metrics Academy.

Colocando as transformações em prática

A governança de solos e a transformação digital no Brasil, impulsionados pela ciência e tecnologia, são temas de importância estratégica. É preciso promover a conscientização e melhorar a percepção pública sobre a importância das atividades de pesquisa e desenvolvimento para geração de indicadores representativos do solo.

A base da governança do solo está na coleta e organização da informação sobre esse recurso, seus potenciais, uso e ocupação. Conheça alguns projetos e alternativas para ajudar na aquisição e levantamento de informações sobre o solo: Projeto PronaSolos, FerroBr, Bilbioteca Espectral de Solo e Magnetismo do Solo.

A sensibilização das Secretarias Estaduais, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, junto com a articulação da comunidade científica e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário pode subsidiar a criação, execução e fiscalização do cumprimento de leis relacionadas ao recurso natural solo.

Um exemplo de produto que pode ser gerado a partir da união da ciência e os três poderes para manutenção do solo, é o “princípio do poluidor-pagador” (PPP). Essa proposta integra valores legais e princípios técnicos da ciência do solo. O PPP é uma proposta para casos de conflitos ambientais, auxiliando instrumentos extrajudiciais como o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O TAC é um instrumento de tratamento de conflitos utilizado para adequação da conduta de um violador ou potencial violador de um direito coletivo, como o solo.

A governança do solo impulsionada pela transformação digital pode ainda contribuir para elevar a sustentabilidade do agronegócio brasileiro, através de programas e certificação de atividades agrícolas e industriais em âmbito nacional e internacional, como a Certificação BonSucro, Etanol Mais Verde e RenovaBio.

Mais do que contribuir para o movimento da governança do solo ou e-Gov, a transformação digital é uma grande aliada na fiscalização e participação popular em políticas públicas adequadas às necessidades locais, regionais ou estaduais. Conservar o solo é um negócio rentável!

Conscientizar os produtores e empresários disso, bem como levar a ciência para população sem dúvida será mais fácil com ajuda da transformação digital.

Para continuar aprendendo, entenda como a agricultura 4.0 pode gerar novos negócios para o mercado brasileiro!

Diego Siqueira

Novos modelos de negócio em AgriTech Engenheiro Agrônomo Graduado e Pós-graduado pela UNESP com foco em modelagem matemática, agricultura digital, gestão da pesquisa e desenvolvimento em AgriTechs. Atua como assessor de P&D em empresas de base Agro e no desenvolvimento de ecossistemas inovativos em Ciências Agrárias.

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